Como funcionam os Direitos dos pacientes em relação a terapias não cobertas?

Quando um tratamento não está previsto no rol de procedimentos da ANS ou não é oferecido diretamente pelo SUS, isso não significa que o paciente não tem direito.

De forma geral, a recusa de cobertura de uma terapia ou tratamento prescrito pelo médico, sob o argumento de não constar no rol da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), é considerada uma prática abusiva, e a operadora do plano de saúde pode ser obrigada a custear o procedimento, além de pagar indenização por danos morais.

Como funcionam os direitos dos pacientes em relação a terapias não cobertas?

Quando um tratamento não está previsto no rol de procedimentos da ANS ou não é oferecido diretamente pelo SUS, isso não significa que o paciente não tem direito. Os direitos podem surgir por três caminhos principais:

1. Quando o plano de saúde nega o tratamento

Mesmo que um tratamento não esteja no rol da ANS, o paciente pode ter direito quando:

  • indicação médica fundamentada;
  • o tratamento é essencial para a saúde ou vida;
  • existe evidência científica de eficácia.

A Justiça entende que o rol da ANS é referência mínima, e não pode impedir o acesso a terapias necessárias.
➡️ Pacientes podem exigir: medicamentos, terapias, cirurgias e exames mesmo fora do rol.

2. Quando o SUS não oferece a terapia

O SUS deve garantir:

  • tratamento adequado,
  • medicamentos excepcionais,
  • terapias essenciais para preservar a saúde.

Se o SUS não disponibiliza a terapia necessária, é possível:

  • solicitar administrativamente,
  • ou acionar o Judiciário pedindo fornecimento obrigatório pelo Estado.

3. Provas necessárias para assegurar o direito

Para exigir a cobertura, normalmente bastam:

  • relatório médico completo,
  • exames que confirmem o diagnóstico,
  • justificativa de que outras terapias não funcionaram,
  • comprovação de urgência, se houver.

O Rol da ANS e a Obrigatoriedade de Cobertura

A principal discussão jurídica sobre o tema é se a lista de procedimentos da ANS seria taxativa (contendo tudo o que os planos são obrigados a cobrir) ou exemplificativa (apenas uma referência mínima).

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) e a legislação trouxeram mais clareza sobre o assunto:

  • Taxatividade Mitigada: O STJ firmou o entendimento de que o rol da ANS é, em regra, taxativo, mas admite exceções. Essa tese é conhecida como “taxatividade mitigada”.
  • Lei nº 14.454/2022: Em resposta a essa discussão, foi sancionada a Lei nº 14.454/2022, que alterou a Lei dos Planos de Saúde (Lei nº 9.656/98). A nova lei estabeleceu que o rol da ANS é uma referência básica, superando a discussão da taxatividade e definindo critérios para a cobertura de procedimentos não listados.

Conforme a lei e a jurisprudência, um tratamento não previsto no rol deve ser coberto pelo plano de saúde desde que preencha um dos seguintes requisitos:

  1. Eficácia comprovada: Haja comprovação da eficácia do tratamento, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico.
  2. Recomendação de órgãos técnicos: Haja recomendações de órgãos técnicos de renome, como a Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (CONITEC) ou de órgãos estrangeiros.

Neste sentido, veja um julgamento do STJ: EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL: EREsp 1925051 SP 2021/0059467-0 – Publicado em 24/04/2024 – Nesse julgamento, o STJ reconheceu que a Lei n. 14.454/2022 representa uma reação legislativa que diminuiu as exigências para a cobertura de tratamentos não previstos no rol, consolidando-o como uma referência básica e não um limite absoluto.

EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA EM RECURSO ESPECIAL. PLANO SAÚDE. TRATAMENTO PRESCRITO POR MÉDICO ASSISTENTE. NEGATIVA DE COBERTURA . PROCEDIMENTO NÃO PREVISTO NO ROL DA AGÊNCIA NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR. UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA NOS ERESP N. 1.889 .704/SP PELA TAXATIVIDADE COM EXCEÇÕES. REAÇÃO LEGISLATIVA COM O NOVO ART. 10, §§ 12 E 13, DA LEI N. 9 .656/1998, COM A REDAÇÃO DADA PELA LEI N. 14.454/2022. ROL DA ANS COMO REFERÊNCIA BÁSICA DE COBERTURA COM CONDICIONANTES . ROL EXEMPLIFICATIVO. REQUISITOS DE EXCEÇÃO COMPROVADOS. COBERTURA DO PROCEDIMENTO NECESSÁRIO AO TRATAMENTO DO PACIENTE. NEOPLASIA . EMBARGOS CONHECIDOS E DESPROVIDOS. 1. O rol da ANS é compreendido pelo Superior Tribunal de Justiça como taxativo (EREsp n. 1 .889.704/SP, Segunda Seção), admitindo algumas exceções. 2. A Lei n . 14.454/2022 constitui reação legislativa à decisão do STJ proferida nos EREsp n. 1.889 .704/SP, ao diminuir as exigências para superação da referência básica de cobertura para os planos de saúde. 3. Comprovado o preenchimento dos critérios para flexibilização do rol da ANS definidos na nova lei, cabe ao plano de saúde fornecer tratamento não previsto no rol da ANS.4 . Embargos de divergência conhecidos e não providos. (STJ – EREsp: 1925051 SP 2021/0059467-0, Relator.: Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA, Data de Julgamento: 18/04/2024, S2 – SEGUNDA SEÇÃO, Data de Publicação: DJe 24/04/2024)

Em resumo, o plano de saúde pode definir as doenças que terão cobertura, mas não o tipo de tratamento a ser utilizado. A decisão sobre a terapia mais adequada cabe ao médico que acompanha o paciente.

Dano Moral por Negativa de Cobertura

A recusa indevida de cobertura por parte do plano de saúde é frequentemente reconhecida pelos tribunais como uma conduta que gera dano moral. O fundamento é que tal negativa agrava a situação de aflição psicológica e angústia do paciente, que já se encontra em estado de vulnerabilidade por conta da doença.

  • STJ — AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL: AgInt no REsp 1976123 DF 2021/0384772-5 — Publicado em 09/12/2022: O STJ firmou o entendimento de que a recusa indevida de cobertura pelo plano de saúde caracteriza o direito à indenização por danos morais, pois agrava a situação de aflição psicológica e de angústia no espírito do usuário.
  • TJ-ES — APELAÇÃO CÍVEL 118155920198080024 — Publicado em 2025: A negativa de cobertura para tratamento oncológico, em face da gravidade da doença, agrava a condição psicológica da paciente, ensejando reparação por danos morais.
  • TJ-CE — Apelação Cível 2888478020228060001 Fortaleza — Publicado em 25/09/2024: A negativa de cobertura pelo plano de saúde, diante da comprovada necessidade médica e do quadro clínico da autora, é considerada abusiva, configurando dano moral.

Conclusão

A legislação e a jurisprudência atuais protegem o paciente, determinando que a ausência de um tratamento no rol da ANS não é, por si só, justificativa para a negativa de cobertura. Se o tratamento for prescrito pelo médico e sua necessidade e eficácia forem comprovadas, o plano de saúde tem o dever de custeá-lo. A recusa indevida pode, ainda, gerar o dever de indenizar o paciente por danos morais.

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