1.1. Características
LEANDRO PAULSEN[1] explica que as taxas são tributos legítimos, criados para garantir que quem utiliza ou provoca certos serviços públicos individualizáveis ou é alvo de fiscalização do Estado, arque com os custos disso, e não toda a coletividade. Essa lógica é autorizada pela Constituição e baseada na justiça comutativa.
De acordo com Paulsen[2], o Estado tem obrigações essenciais para o bem da coletividade, como fiscalizar atividades privadas (poder de polícia) e prestar determinados serviços públicos. Isso decorre do chamado interesse público. No entanto, nem todas essas atividades devem ser pagas por toda a sociedade. Se o serviço ou a fiscalização for específica e divisível (ou seja, individualizável e dirigida a uma pessoa ou grupo específico), não faz sentido que todos arquem com o custo. O justo é que quem usou ou provocou o serviço pague por ele. Exemplo: se alguém solicita uma vistoria para obter alvará, o Estado faz isso só para aquela pessoa — logo, essa pessoa deve pagar.
Essa lógica se inspira na justiça comutativa, isto é, na ideia de dar a cada um o que lhe corresponde, segundo uma relação de troca proporcional: “Você usou, então você paga”.
BASE CONSTITUCIONAL DESSA LÓGICA:
O artigo 145, inciso II da Constituição Federal autoriza expressamente a cobrança de taxas nesses casos. Assim:
- Quando o Estado exerce o poder de polícia (ex: fiscalização, licenciamento, inspeção sanitária);
- Ou quando presta um serviço público específico e divisível (ex: emissão de certidões, coleta de lixo hospitalar);
A taxa surge como uma obrigação tributária que recai sobre quem provocou a ação estatal.
4 CONCEITO DE EDUARDO SABBAG: “A taxa é tributo vinculado à ação estatal, sujeitando-se à atividade pública, e não à atividade do particular. Deverá ser exigida pelas entidades impositoras (União, Estados, Municípios e Distrito Federal), não se admitindo a exigência em face de atuação de empresa privada. De modo diverso do imposto, é exação bilateral, contraprestacional e sinalagmática. Seu disciplinamento vem do art. 145, II, da CF, c/c os arts. 77 a 79 do CTN.”[3]
- 1. Tributo vinculado à ação estatal: Sabbag destaca que a taxa é um tributo vinculado, ou seja, só pode ser cobrada em razão de uma atividade específica do Estado. Isso a diferencia dos impostos, que são não vinculados (o contribuinte paga independentemente de qualquer serviço público prestado).
- 2. Atividade pública, não privada: A atividade que dá origem à cobrança da taxa deve ser exercida por um ente público, e nunca por empresa privada. Exemplo: uma empresa privada de água e esgoto não pode cobrar taxa — somente uma autarquia ou repartição pública.
- 3. Exigida por entes federativos: A União, os Estados, os Municípios e o Distrito Federal são os únicos entes que podem instituir taxas, desde que dentro de suas competências constitucionais.
- 4. Natureza bilateral e sinalagmática: Ao contrário dos impostos, as taxas possuem natureza:
- Bilateral: há uma relação direta entre o contribuinte e o Estado;
- Contraprestacional: há uma atuação estatal específica que justifica a cobrança;
- Sinalagmática: termo técnico que expressa essa relação de troca, ou seja, o contribuinte paga porque há uma prestação do Estado diretamente relacionada a ele (como uma fiscalização ou serviço individualizado).
- 5. Base legal:
- Constituição Federal (art. 145, II): autoriza a cobrança de taxas pela prestação de serviços públicos específicos e divisíveis ou pelo exercício do poder de polícia.
- Código Tributário Nacional (arts. 77 a 79): detalha os requisitos, hipóteses e características jurídicas das taxas, inclusive a necessidade de base de cálculo compatível com o custo da atividade pública.
- 6. Resumo final: Segundo Sabbag, a taxa é um tributo que só pode ser cobrado quando há uma atuação concreta do Estado em favor ou em fiscalização do contribuinte. Ela é marcada por uma relação de troca (sinalagma), deve ser exigida somente por entes públicos e jamais por particulares, e está expressamente regulada pela CF e pelo CTN.
FATO GERADOR DA TAXA
A taxa tem dois possíveis fatos geradores, ou seja, duas situações que podem justificar legalmente sua cobrança:
- Exercício regular do poder de polícia: É quando o Estado fiscaliza, regula, controla ou limita atividades do particular por interesse público. Exemplo: licença de funcionamento de um comércio, fiscalização sanitária, vistoria do Corpo de Bombeiros etc.
- Utilização, efetiva ou potencial, de serviço público específico e divisível: É quando o contribuinte usa ou pode usar um serviço público individualizado e fracionável, como coleta de lixo domiciliar, iluminação pública em rua específica, emissão de certidões, etc.
à Fundamento legal: Art. 77 do CTN e art. 145, II da Constituição Federal.
TIPOS DE TAXA
Com base nos dois fatos geradores, temos dois tipos principais:
- Taxa de Polícia: decorre do exercício do poder de fiscalização e controle estatal.
- Taxa de Serviço: cobrada pela utilização (ou possibilidade de uso) de um serviço específico e divisível.
CLASSIFICAÇÃO DO STJ: TAXA DE SERVIÇO X TAXA DE POLÍCIA
Segundo jurisprudência do STJ, podemos dividir as taxas em duas grandes categorias:
- Taxas de poder de polícia: ligadas ao controle, fiscalização e limitação de condutas, com interesse estatal predominante (ex: vistoria sanitária, licença ambiental).
- Taxas de serviço: surgem quando há interesse do usuário e um serviço público está sendo prestado ou colocado à disposição (ex: emissão de segunda via de documento).
Em ambos os casos, a taxa só pode existir se houver atuação do Estado relacionada ao contribuinte, e essa atuação deve estar definida em lei como o fato gerador da obrigação.
BASE DE CÁLCULO
A base de cálculo é a medida econômica do fato gerador. Serve para dimensionar quanto deve ser pago. É um valor (como área construída, número de alvarás, quantidade de lixo coletado etc.) que será multiplicado pela alíquota para se obter o valor da taxa.
– Exemplo: Se a base for o número de metros quadrados de um imóvel, e a alíquota for R$ 2,00 por m², então: Taxa = Base de cálculo x Alíquota = 100 m² x R$ 2,00 = R$ 200,00
PROIBIÇÃO DE CONFUSÃO COM IMPOSTO
A Constituição (art. 145, § 2º) proíbe que uma taxa tenha a mesma base de cálculo que um imposto (e vice-versa). O objetivo é evitar disfarces — ou seja, evitar que o Estado cobre um imposto “travestido” de taxa, violando os princípios da legalidade e da tipicidade tributária.
– Exemplo prático (jurisprudência do STJ): O STJ entendeu que não se pode cobrar taxa com base no faturamento da empresa, pois esse é critério típico de imposto, não de taxa.
(REsp 2.220/SP – 1990)
CADA ENTE FEDERATIVO PODE INSTITUIR TAXAS DENTRO DE SUA COMPETÊNCIA
A Constituição permite que União, Estados, Distrito Federal e Municípios instituam e cobrem taxas, desde que se limitem às suas atribuições próprias.
Por exemplo:
- Município pode cobrar taxa de coleta de lixo domiciliar;
- Estado pode cobrar taxa de licenciamento veicular;
- União pode cobrar taxa para expedição de passaporte.
TAXA DE POLÍCIA
A taxa de polícia é um tributo cobrado quando o Estado exerce sua função fiscalizatória ou reguladora, com o objetivo de proteger interesses públicos, como segurança, higiene, ordem, costumes e direitos individuais ou coletivos.
CONCEITO (art. 78 do CTN)
O poder de polícia é a atividade da Administração Pública que:
- Limita ou disciplina o exercício de direitos individuais;
- Em razão de interesse público (ex.: segurança, saúde, meio ambiente etc.);
- Impõe restrições ou obrigações aos particulares, a fim de garantir o bem-estar da coletividade.
EXIGÊNCIA DA TAXA
A taxa de polícia é devida quando o poder de polícia é exercido de forma regular, ou seja:
- Por órgão competente;
- Dentro dos limites legais;
- Com respeito ao devido processo legal;
- E sem abuso ou desvio de poder (art. 78, parágrafo único, do CTN).
EXEMPLOS PRÁTICOS DE TAXA DE POLÍCIA:
- Taxa de funcionamento ou alvará de empresas;
- Taxa da CVM (fiscalização do mercado financeiro);
- Taxa de fiscalização ambiental (TCFA);
- Taxa de fiscalização dos cartórios extrajudiciais;
- Taxa para o FUNDAF (Fundo de Aparelhamento da Administração Fazendária).
TAXA DE SERVIÇO
A taxa de serviço é cobrada quando o Estado presta um serviço público específico e divisível ao contribuinte — ou coloca esse serviço à sua disposição.
REQUISITOS ESSENCIAIS (art. 79 do CTN)
O serviço precisa ser:
- Específico: pode ser destacado como uma unidade autônoma;
- Divisível: pode ser prestado de forma individualizada ao contribuinte;
- Utilizado efetivamente ou potencialmente:
- Efetiva: quando o contribuinte de fato utiliza o serviço;
- Potencial: quando o serviço está à disposição, ainda que não seja usado diretamente (ex.: coleta de lixo domiciliar).
DISCUSSÃO JURISPRUDENCIAL
Alguns serviços geram debate sobre se devem ser remunerados por taxa ou por tarifa (preço público). Exemplo: fornecimento de água, esgoto, luz e gás. Em muitos casos, o STF e o STJ os consideram serviços tarifados, e não passíveis de serem custeados por taxa.
EXEMPLO DE TAXAS INCONSTITUCIONAIS:
- Taxa de segurança pública (serviço geral → deve ser custeado por imposto);
- Taxa de limpeza pública (só possível se for específica e divisível, como coleta domiciliar individualizada);
- Taxa de iluminação pública – proibida pelo STF, conforme a Súmula Vinculante nº 41: “O serviço de iluminação pública não pode ser remunerado mediante taxa.”
RESUMO COMPARATIVO:
| Tipo de Taxa | Fato Gerador | Exemplo | Observação |
| Taxa de Polícia | Exercício do poder de polícia (fiscalização e controle) | Taxa de alvará, fiscalização ambiental | Exige atuação estatal direta e reguladora |
| Taxa de Serviço | Prestação de serviço específico, divisível e mensurável | Coleta de lixo domiciliar, emissão de certidões | Não pode ser cobrada por serviços gerais |
TAXA X TARIFA
Explica SABBAG, que há diferença entre taxa e tarifa (ou preço público), esclarecendo que, embora ambas envolvam pagamentos feitos por particulares em razão de serviços prestados, não são a mesma coisa e seguem regras jurídicas distintas.[4]
► O QUE É TARIFA?
A tarifa (ou preço público) é um **valor pago por um serviço prestado por uma empresa — pública ou privada — que atua como concessionária ou permissionária de um serviço público.
Exemplo: conta de luz, tarifa de ônibus, pedágio, fornecimento de água.
- Tem natureza contratual: é paga em decorrência de um contrato, ainda que tácito.
- Pode ser fixada livremente, observando regras da regulação econômica.
- Pode variar conforme o uso e não está limitada por critérios tributários.
► O QUE É TAXA?
A taxa é um tributo (e não um preço), previsto em lei, cobrado pelo Estado (União, Estados, DF e Municípios) quando ele:
- Presta um serviço público específico e divisível, ou
- Exerce poder de polícia (fiscalização, controle etc.).
Exemplo: taxa de coleta de lixo, taxa de fiscalização ambiental, taxa de alvará de funcionamento.
- Obrigatória por lei, com base em norma de competência tributária (CF, art. 145, II).
- Deve ser proporcional ao custo da atividade estatal.
- Não pode ser fixada livremente como um preço.
DIFERENÇA CENTRAL ENTRE TAXA E TARIFA:
A distinção não está mais na ideia tradicional de que:
- Taxa seria compulsória (obrigatória),
- Tarifa seria voluntária (paga se o contribuinte quiser usar o serviço).
Hoje, o que importa é:
O serviço decorre de uma função típica e indelegável do Estado?
→ Se sim, trata-se de taxa.
→ Se não, e o serviço pode ser prestado por empresas privadas, trata-se de tarifa.
JURISPRUDÊNCIA (STF – RE 209.365/SP, Min. Carlos Velloso):
– O Supremo Tribunal Federal já decidiu que: Se a Constituição exige que o serviço seja prestado diretamente pelo Estado, o regime deve ser o de taxa, mesmo que a lei diga o contrário.
CONCLUSÃO:
| Critério | Taxa | Tarifa (Preço Público) |
| Natureza | Tributo | Preço contratual |
| Previsão legal | Exige lei específica | Pode ser estabelecida por contrato |
| Quem cobra | Estado (União, Estados, Municípios) | Empresas delegatárias (ex: concessionárias) |
| Exigência | Obrigatória | Facultativa, conforme uso |
| Base legal | Art. 145, II, da CF / CTN | Regulamentação contratual e legal |
| Ligação com função estatal | Ligado a atividade típica do Estado | Pode ser delegado ao setor privado |
[1] PAULSEN, Leandro. Curso de direito tributário completo. 11. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020, p. 72-74.
[2] Idem, Ibidem.
[3] SABBAG, Eduardo. Direito tributário essencial. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2020, p. 127.
[4] Op. Cit., p. 133-134.
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MÉTODO, 2020.
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STJ – REsp: 478958 PR 2002/0109326-8, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 24/06/2003, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.08.2003.
VALERA, Renata. O diálogo entre dogmática e zetética jurídicas no desenvolvimento do discurso jurídico científico. São Paulo: All Print Editora, 2022.
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