Para PAULO DE BARROS CARVALHO, “A norma jurídica é a significação que obtemos a partir da leitura dos textos do direito positivo. Trata-se de algo que se produz em nossa mente, como resultado da percepção do mundo exterior, captado pelos sentidos. Vejo os símbolos linguísticos marcados no papel, bem como ouço a mensagem sonora que me é dirigida pelo emissor da ordem. Esse ato de apreensão sensorial propicia outro, no qual associo ideias ou noções para formar um juízo, que se apresenta, finalmente, como proposição. (…) A norma jurídica é exatamente o juízo (ou pensamento) que a leitura do texto provoca em nosso espírito. Basta isso para nos advertir que um único texto pode originar significações diferentes, consoante as diversas noções que o sujeito cognoscente tenha dos termos empregados pelo legislador. Ao enunciar os juízos, expedindo as respectivas proposições, ficarão registradas as discrepâncias de entendimento dos sujeitos, a propósito dos termos utilizados.”[1]

Portanto, para o jurista, entende-se que a norma jurídica é o juízo hipotético-condicional extraído da leitura e interpretação do texto do direito positivo. Ela resulta de um processo cognitivo, no qual o leitor — munido de conhecimentos técnicos e princípios jurídicos — interpreta os textos legais (suporte físico) e extrai significações normativas que regulam condutas humanas.

Como ela se forma?

  1. Texto do direito positivo = suporte físico

Ex.: Art. 5º, XXII da CF: “é garantido o direito de propriedade”.

  1. Leitura + cognição + experiência jurídica = juízo

A mente do jurista associa ideias e conceitos (ex: propriedade, titularidade, exclusividade).

  1. Resultado: proposição normativa

Ex.: Se alguém é titular de um bem, então tem o direito de defendê-lo judicialmente.

à Isso é a norma jurídica — o conteúdo normativo implícito extraído do texto.

Importância da distinção entre texto e norma:

  • O texto é visível, físico, escrito.
  • A norma é o juízo lógico extraído da interpretação desse texto.
  • Um mesmo texto pode gerar múltiplas normas, pois diferentes juristas podem interpretá-lo de formas distintas, conforme seus conhecimentos, contexto e princípios aplicados.

Para Paulo de Barros Carvalho, o texto está para a norma jurídica assim como o vocábulo está para sua significação.

As normas são sempre implícitas?

Sim. Para Paulo de Barros Carvalho:

  • Todo texto jurídico está no plano do significante (forma).
  • Já a norma jurídica está no plano do significado, e está sempre implícita — isto é, não está escrita diretamente, mas é construída pelo intérprete.

Conclusão:

Para Paulo de Barros Carvalho, a norma jurídica é:

  • Uma significação mental,
  • Extraída da leitura e interpretação dos textos legais,
  • Formada como juízo lógico pelo cientista do Direito,
  • E que regula a conduta humana intersubjetiva.

à Por isso, o trabalho do jurista não é apenas repetir a lei, mas interpretá-la sistematicamente, à luz dos princípios e da lógica normativa, para construir as normas jurídicas que de fato regulam a vida em sociedade.

1.1.       Pirâmide de Kelsen (estrutura positivista hierárquica do Direito)

No século XX, surgem as mais diversas teorias jurídicas, de variadas conformações. Esta multiplicidade de teorias, portadoras das mais diferentes críticas ao positivismo jurídico, levou Hans Kelsen a propor sua “Teoria Pura do Direito”, com a pretensão de “reduzir todos os fenômenos jurídicos a uma dimensão exclusiva e própria, capaz de ordená-los coerentemente”, a dimensão normativa.[2]

Esta pretensão se engloba na preocupação básica de Kelsen, de garantir a cientificidade do direito, pois uma ciência precisa ter seu objeto identificado de modo claro, o que não ocorria na época, abarrotada de teorias jurídicas variadas. De tal modo, Kelsen preocupa-se em “construir uma ciência do direito que tenha um objeto puro, livre de qualquer contaminação ideológica, política, econômica etc, essencialmente jurídico e, como tal, passível de ser identificado sem maiores dificuldades”.[3]

A teoria jurídica de Kelsen inseriu-se no contexto em que o modelo de ciência em vigor era o modelo das “modernas ciências da natureza”. Assim sendo, Kelsen intentou conferir ao direito os mesmos padrões de investigação desenvolvidos pelas modernas ciências da natureza, pois sem eles o direito não seria um conhecimento verdadeiro. Esses padrões podem ser resumidos em duas características: independência e objetividade.[4]

“Pela independência, buscando determinar os contornos do direito, Kelsen retoma a teoria analítica desenvolvida por John Austin e elabora o princípio da pureza, segundo o qual o estudo do direito deve ser realizado sem interferências de outros campos do saber, de modo que aspectos factuais, políticos, sociais ou éticos, por exemplo, devem ser afastados da ciência do direito”. Mas, “a postura analítica tomada por Kelsen, insculpida no princípio da pureza, consiste não só na separação do direito dos demais campos do saber, mas também na distinção entre o mundo do ser e o mundo do dever-ser.”[5]

Logo, Kelsen queria isolar o Direito de outras ciências (como a política, a sociologia, a ética ou a moral). Para isso, ele retoma a ideia de John Austin e afirma que o Direito deve ser estudado a partir de seus próprios elementos internos, ou seja, da estrutura lógica e normativa das normas jurídicas, e não do conteúdo político ou social por trás delas. Esse é o chamado princípio da pureza, cujo objetivo é:

  • Separar o Direito do fato (ou seja, do mundo do “ser”);
  • E delimitar o Direito como ciência do dever-ser (mundo normativo)

“Com relação a característica da objetividade, que Kelsen atribui ao direito para que atinja seu estatuto científico, trata-se da aplicação de um método, um procedimento racional de investigação, para a obtenção do conhecimento jurídico. Este método, que deve ser utilizado para identificar o direito, relaciona-se ao critério da validade.”[6]

Logo, para que o Direito seja considerado científico, ele precisa ter um método objetivo de investigação. Esse método é baseado no critério da validade das normas.

Para Kelsen, uma norma jurídica é válida se:

  1. Foi criada por outra norma superior que lhe deu fundamento (ex: a lei deriva da Constituição);
  2. Tem um mínimo de eficácia (precisa ser obedecida na prática, ao menos por um grupo relevante).

O sistema jurídico é, então, uma pirâmide de normas, onde:

  • Cada norma inferior tira sua validade de uma norma superior;
  • Esse encadeamento não pode continuar ao infinito, então é encerrado com a Norma Hipotética Fundamental.

A norma hipotética fundamental é uma ficção teórica, não escrita, que prescreve a obediência à primeira Constituição válida. É como um “pressuposto lógico” necessário para garantir a coerência e validade de todo o sistema jurídico. Essa norma não foi posta por nenhuma autoridade. Ela é suposta pela Ciência do Direito, como um ponto de partida lógico para afirmar: “Devemos obedecer à Constituição”.

Conforme Ulhoa, “a norma hipotética fundamental é a categoria kelseniana criada para solucionar a questão do fundamento último de validade das normas jurídicas”.[7] Ela é uma norma não posta, mas pressuposta, que sustenta o fundamento de validade da ordem jurídica como um todo[8], e prescreve a obediência aos primeiros constituintes históricos.[9]

Assim, a famosa pirâmide normativa representa o ordenamento como um sistema escalonado: no topo, a norma hipotética fundamental, abaixo a Constituição, abaixo, Leis Infraconstitucionais, depois Decretos, Regulamentos, Portarias e, depois, Atos Administrativos e Decisões judiciais etc. Cada norma inferior extrai sua validade da norma imediatamente superior.


[1] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 11-12.

[2] VALERA, Renata. O diálogo entre dogmática e zetética jurídicas no desenvolvimento do discurso jurídico científico. São Paulo: All Print Editora, 2022, p. 31.

[3] Idem, Ibidem, p. 31-32.

[4] Idem, Ibidem.

[5] Idem, Ibidem.

[6] Idem, Ibidem.

[7] COELHO, Fábio Ulhoa. Para entender Kelsen, p. 20-11.

[8] Ibidem, p. 11-12.

[9] Ibidem, p. 14.


ALEXANDRE, Ricardo. Direito tributário. 15. ed. Salvador. Ed. JusPodivm, 2021.

ATALIBA. Geraldo. Hipótese de Incidência Tributária, 6ª ed. 10 tir. São Paulo, Editora Meditores.

BARRETO, Simone Rodrigues Costa. Mutação do conceito constitucional de mercadoria, 1. ed. São Paulo: Noeses, 2015.

CARVALHO, Aurora Tomazini de. Teoria Geral do Direito (o construtivismo lógico-semântico).

__________. Teoria Geral do Direito (o Constructivismo Lógico-Semântico). 2009. Tese (Doutorado em Filosofia do Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009. Orientador: Prof. Dr. Paulo de Barros Carvalho.

CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021.

__________. Direito Tributário: linguagem método. 6ª ed.. São Paulo: Noeses, 2015.

LEITE, Harrisson. Manual de Direito Financeiro. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2020.

SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005.

__________. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005.

__________. Orçamento-programa no Brasil, São Paulo: RT, 1973.

SABBAG, Eduardo. Direito tributário essencial. 7. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
MÉTODO, 2020.

STF, Plenário, RE 213.739-1, Rel. Min. Marco Aurélio, 6-5-1998 e STF, AgRg AG 228.637/SP, Min. Maurício Corrêa.

STJ – REsp: 478958 PR 2002/0109326-8, Relator: Ministro LUIZ FUX, Data de Julgamento: 24/06/2003, T1 – PRIMEIRA TURMA, Data de Publicação: DJ 04.08.2003.

VALERA, Renata. O diálogo entre dogmática e zetética jurídicas no desenvolvimento do discurso jurídico científico. São Paulo: All Print Editora, 2022.


Descubra mais sobre Renata Valera

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.