Há uma unidade no sistema jurídico. O direito positivo é uno e homogêneo.
Conforme afirma Barreto: “Ainda que se admita a divisão do Direito em ramos autônomos, o que se faz para fins didáticos, certo é que todos os subsistemas estão sob o manto da norma fundamental, de tal sorte que a unidade do sistema permanece intocável.”[1]
Para Harrisson Leite[2], “o direito financeiro consiste no sub-ramo do direito público que estuda as finanças do Estado cm sua estreita relação com a sua atividade financeira. Ou seja, é o conjunto de regras e princípios que estuda a atividade financeira do Estado, compreendida esta como receita, despesa, orçamento c crédito públicos”.
O professor Paulo de Barros Carvalho, em seu Curso de direito tributário (Capítulo I)[3], explica que há vários nomes históricos e doutrinários para a área do Direito que estuda os tributos. Embora não veja nisso uma questão essencial, ele se preocupa em esclarecer o que cada nome comunica e o que pode confundir.
| I. Direito Fiscal: | II. Direito Financeiro: | III. Direito Tributário: |
| Origem: muito utilizado por autores portugueses e franceses.Enfoque: destaca a atuação do Fisco (sujeito ativo da relação tributária).Sugestão semântica: remete à arrecadação e fiscalização, ao papel do Estado-Administração.Crítica de Paulo de Barros: Termo estreito, pois parece centrar o estudo apenas no sujeito ativo (o Estado), deixando em segundo plano o sujeito passivo (contribuinte) e a totalidade da relação jurídica tributária. | Abrangência: termo que cobre toda a atividade financeira do Estado:Receita (tributária, creditícia, patrimonial),Despesa pública,Orçamento,Gestão fiscal. Crítica: Termo demasiadamente amplo, pois o estudo dos tributos é apenas um dos tópicos da atividade financeira estatal. | Termo preferido por Paulo de Barros (e pela maioria da doutrina brasileira contemporânea). Abrangência: mais preciso e adequado para designar: O conjunto das normas jurídico-tributárias que tratam da instituição, arrecadação e fiscalização de tributos, assim como da relação jurídica entre o Estado e o contribuinte. |
Para Paulo de Barros Carvalho, o termo “Direito Tributário” permite uma visão ampla e equilibrada da fenomenologia impositiva, sem privilegiar um lado da relação jurídica (Fisco ou contribuinte) e sem diluir a disciplina dentro do universo mais extenso do Direito Financeiro.
| Termo | Abrangência sugerida | Crítica |
| Direito Fiscal | Ênfase na atuação do Fisco | Muito restrito (foco no Estado) |
| Direito Financeiro | Toda a atividade financeira do Estado | Muito amplo |
| Direito Tributário | Relação jurídica tributária como um todo | Termo mais preciso e adequado |
Conclusão:
- A discussão terminológica é secundária, desde que fique claro o objeto do estudo.
- Contudo, para fins científicos e didáticos, “Direito Tributário” é a denominação mais fiel, pois:
- Não reduz o estudo à atuação estatal (como o termo “fiscal”),
- Nem o dilui numa área demasiadamente abrangente (como “financeiro”),
- Foca diretamente no fenômeno da tributação e nas relações jurídicas que dele decorrem.
A Constituição abre um capítulo para as Finanças Públicas, nele cuidando de normas gerais sobre dívida pública, emissão de moeda, função do banco central e do sistema orçamentário[4].
Estão nos artigos 163 e seguintes, dentro das Seções I (Normas Gerais) e II (Dos Orçamentos – Arts. 165 e ss), dentro do Capítulo II (Das Finanças Públicas) do Título VI (Da Tributação e do Orçamento).
A ordem e estrutura dos capítulos e seções no Título VI da Constituição Federal de 1988 não é aleatória. Ela revela a lógica sistêmica do Direito Financeiro brasileiro, organizando as normas de forma funcional e interligada.
► TÍTULO VI – Da Tributação e do Orçamento
Este título trata conjuntamente de dois grandes sistemas interdependentes:
- Sistema Tributário Nacional (como o Estado obtém recursos);
- Sistema Orçamentário e de Finanças Públicas (como o Estado planeja e utiliza esses recursos).
► CAPÍTULO I – DO SISTEMA TRIBUTÁRIO NACIONAL
Função: Trata da entrada de receitas, especialmente as tributárias.
- Define competências tributárias (quem pode instituir quais tributos);
- Estabelece limitações ao poder de tributar (garantias aos contribuintes);
- Detalha os impostos federais, estaduais e municipais;
- Regula a repartição das receitas tributárias;
- Estabelece a base para a arrecadação, que alimenta o orçamento público.
Por que vem primeiro? Porque antes de gastar, o Estado precisa arrecadar. É uma lógica de causa e consequência: só se pode elaborar um orçamento com base nas receitas disponíveis, principalmente as tributárias.
► CAPÍTULO II – DAS FINANÇAS PÚBLICAS
Este capítulo regula como o Estado administra, planeja e executa os recursos arrecadados. Está dividido em duas seções:
► Seção I – NORMAS GERAIS (Art. 163 a 164-A)
Função: Estabelecer princípios gerais sobre:
- Finanças públicas e dívida pública;
- Fiscalização e controle;
- Emissão de moeda (competência exclusiva do Banco Central);
- Sustentabilidade da dívida (introduzido pela EC 109/2021).
Aqui se encontra o alicerce macroeconômico das contas públicas.
► Seção II – DOS ORÇAMENTOS (Art. 165 a 169)
Função: Trata do planejamento e execução da despesa pública por meio de:
- Plano Plurianual (PPA),
- Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO),
- Lei Orçamentária Anual (LOA).
Estabelece os instrumentos técnicos e jurídicos de execução orçamentária, controle, transparência e a disciplina da despesa com pessoal.
► O QUE ESSA ESTRUTURA REVELA:
| Ordem | Conteúdo | Função Constitucional |
| 1️ | Sistema Tributário Nacional | Regula a arrecadação de receitas públicas |
| 2️ | Finanças Públicas – Normas Gerais | Estabelece princípios de controle, dívida e emissão monetária |
| 3️ | Orçamentos Públicos | Regula como os recursos serão planejados, alocados e executados |
► Há uma lógica de fluxo financeiro:
Tributação → Planejamento → Execução → Controle.
1.1. Atividade financeira
São inúmeros os conceitos doutrinários do que é a atividade financeira do Estado.
Todos são baseados na seguinte premissa: a função do Estado é satisfazer as necessidades públicas, garantindo a realização dos direitos fundamentais e é para isso que se desenvolve toda a sua atividade financeira.
As necessidades públicas que o Estado se vê obrigado a satisfazer decorrem da existência de uma obrigação constitucional ou legal, sendo, portanto, um dever legal a ser cumprido pelo Poder Público. E por se tratar de um dever normativo, não há espaço para a discricionariedade administrativa, sendo a obrigação do Estado satisfazê-las.
- Harrison Leite: É importante fazer uma diferenciação: necessidades coletivas públicas (necessidades coletivas) e necessidades coletivas privadas (necessidades coletivas). Ambas são espécies do gênero necessidades coletivas, cabendo destacar que as necessidades coletivas públicas, doravante chamadas de ‘necessidades públicas, não se confundem com as necessidades coletivas privadas, doravante chamadas de ‘necessidades coletivas’.[5]
CONCEITOS DOUTRINÁRIOS SOBRE A ATIVIDADE FINANCEIRA:
| Ricardo Lobo Torres | Atividade financeira é o conjunto de ações do Estado para a obtenção da receita e a realização dos gastos para o atendimento das necessidades públicas. |
| José Souto Maior Borges | A atividade financeira consiste, em síntese, na criação, obtenção, gestão e dispêndio do dinheiro público para a execução de serviços afetos ao Estado. É considerada por alguns como o exercício de uma função meramente instrumental, ou de natureza adjetiva (atividade-meio), distinta das atividades do Estado, que visam diretamente a satisfação de certas necessidades sociais, tais como educação, saúde, construção de obras públicas, estradas, etc. (atividades-fim). |
| Aliomar Baleeiro | A atividade financeira consiste, portanto, em obter, criar, gerir e despender o dinheiro indispensável às necessidades, cuja satisfação o Estado assumiu ou cometeu àqueloutras pessoas de direito público. Embora expressa em algarismos de dinheiro, a atividade financeira, do ponto de vista econômico, desloca, do setor privado para o setor público, massa considerável de bens e serviços, retirando-os uns e outros ao consumo e ao investimento dos particulares. |
| Harrison Leite | A atividade financeira do Estado é um instrumento para a realização do próprio fim estatal, pois lhe fornece os meios para a obtenção de recursos financeiros, a forma de geri-los e aplicá-los, munindo o Estado com os instrumentos necessários à sua atuação na sociedade.[6] |
| Kiyoshi Harada | Pode-se dizer que, entre nós, atualmente, a atividade financeira do Estado está vinculada à satisfação de três necessidades públicas básicas, inseridas na ordem jurídico-constitucional: a prestação de serviços públicos, o exercício regular do poder de polícia e a intervenção no domínio econômico.” |
Em suma, a atividade financeira do Estado refere-se ao conjunto de ações e processos realizados pelo Estado para gerenciar os recursos financeiros necessários para o funcionamento da administração pública, para a promoção do bem-estar da sociedade e a realização dos direitos fundamentais.
| Instrumentalidade da atividade financeira: O Estado não arrecada para enriquecer. A arrecadação e os gastos são meios para atingir objetivos públicos: saúde, educação, segurança, infraestrutura etc. Não é atividade-fim, mas atividade-meio. |
A atividade financeira do Estado não é uma providência estanque ou parada, mas sim um processo contínuo e em movimento que abrange as seguintes etapas:
| Função | Descrição |
| Obtenção de receita pública | Engloba a arrecadação de tributos, a obtenção de receitas patrimoniais e de transferências voluntárias, bem como operações de crédito. |
| Planejamento orçamentário | Refere-se à elaboração de instrumentos como o Plano Plurianual (PPA), a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) e a Lei Orçamentária Anual (LOA). |
| Execução das despesas públicas | Diz respeito à realização da despesa orçamentária, que compreende as fases de empenho, liquidação e pagamento. |
| Gestão e controle dos recursos financeiros | Abrange a administração dos recursos disponíveis no Tesouro, incluindo o controle da dívida pública e a prestação de contas. |
Logo, estão contidos na atividade financeira do Estado os seguintes elementos (etapas da atividade): obtenção (de receita pública) à planejamento (orçamento público) à execução (despesa pública) à gestão / controle (da devida aplicação). Toda essa atividade é orientada para que o Estado tenha capacidade de fazer frente às demandas sociais existentes e seja um fato de realização dos direitos fundamentais de cada cidadão.
Uma das importantes características da atividade financeira do Estado, e bem frisada pelo professor Ricardo Lobo Torres, é que ela se coloca como uma atividade puramente instrumental. Isso significa que obter recursos e realizar os gastos públicos não são fins em si mesmo, não sendo objetivo do Estado enriquecer, aumentar o seu patrimônio ou realizar investimentos de forma aleatória. O Estado arrecada e realiza o gasto público para atingir certos objetivos de índole política, econômica ou administrativa.
- Ricardo Lobo Torres (Curso de Direito Financeiro e Tributário): Apesar de instrumental, a atividade financeira não é neutra frente aos valores e princípios jurídicos, senão a eles se vincula fortemente. A liberdade necessita das finanças do Estado para que possa se afirmar, ao mesmo tempo em que limita o exercício da atividade financeira. A justiça na sociedade moderna passa pela fiscalidade e pela redistribuição de rendas. Princípios como a capacidade contributiva, economicidade, legalidade, publicidade, irretroatividade e transparência informam permanentemente a atividade financeira.
| Conclusões-chave: A atividade financeira do Estado é: Contínua e dinâmica, Instrumental, voltada à promoção do bem-estar coletivo, Subordinada a princípios constitucionais como legalidade, capacidade contributiva, economicidade, publicidade e justiça social. |
1.2. Orçamento público
A disciplina básica do orçamento público encontra-se prevista na Constituição Federal de 1988, onde temos estampadas as regras e os princípios que o norteiam, trazendo as diretrizes gerais para sua elaboração e sobre as receitas e despesas públicas.
O orçamento é um instrumento fundamental de governo, seu principal documento de políticas públicas. Através dele os governantes selecionam prioridades, decidindo como gastar os recursos extraídos da sociedade e como distribuí-los entre diferentes grupos sociais, conforme seu peso ou sua força política. Portanto, nas decisões orçamentárias os problemas centrais de uma ordem democrática como representação[7] e accountability[8] estão presentes.
Logo, o orçamento não é apenas um documento contábil ou técnico, mas sim uma ferramenta de decisão política. É por meio dele que o governo define o que será feito, com quais recursos, em qual área e com que prioridade.
Os recursos do orçamento vêm, em sua maioria, dos tributos pagos pela sociedade. O governo, então, ao elaborar o orçamento, escolhe onde investir esse dinheiro: saúde, educação, segurança, infraestrutura, entre outros. Essas escolhas revelam as prioridades políticas do governo — ou seja, o que ele considera mais importante.
Na prática, o orçamento também é um reflexo das forças sociais e políticas atuantes. Grupos com maior representação política ou poder de pressão (ex.: grandes setores econômicos, sindicatos fortes, movimentos sociais organizados) tendem a influenciar mais fortemente na definição das verbas que recebem. Isso mostra que o orçamento também é um espaço de disputa democrática por recursos.
| O orçamento é um instrumento de ação política e de gestão pública. Ele traduz, em números, as decisões políticas do governo sobre: Onde gastar, Quanto gastar, Para quem gastar. E, ao mesmo tempo, revela a saúde da democracia, pois envolve representação popular e controle social sobre o uso dos recursos públicos. |
Por conta disso, o professor Ricardo Lobo Torres[9] fala em “Constituição Orçamentária” integrante de um dos subsistemas da Constituição Financeira, ao lado da Constituição Tributária e da Constituição Monetária. Para ele:
“A Constituição Orçamentária “constitui” o Estado Orçamentário, que é a particular dimensão do Estado de Direito apoiada nas receitas, especialmente a tributária, como instrumento de realização das despesas. O Estado Orçamentário surge como o próprio Estado Moderno. (…) Com o advento do liberalismo e das grandes revoluções é que se constitui plenamente o Estado Orçamentário, pelo aumento das receitas e despesas públicas e pela constitucionalização do orçamento na França, nos Estados Unidos e no Brasil (art. 172 da Constituição de 1824).”
| – Constituição Orçamentária como subsistema: Ricardo Lobo Torres explica que a Constituição Federal não trata apenas de direitos e deveres em geral, mas também organiza o funcionamento financeiro do Estado. E isso se dá por meio de três subsistemas: Subsistema Função Constituição Tributária Regras sobre arrecadação: quem pode instituir tributos, quais tributos existem, seus limites, etc. Constituição Monetária Regras sobre a moeda, política monetária, instituições financeiras e Banco Central. Constituição Orçamentária Regras sobre elaboração, aprovação, execução e controle do orçamento público. Ou seja: a “Constituição Orçamentária” é o conjunto de normas constitucionais que disciplinam o orçamento público, sua estrutura, seus princípios, sua função e seu controle. É parte essencial da Constituição Financeira. |
| – O que é o “Estado Orçamentário”: Segundo Ricardo Lobo Torres, o Estado Orçamentário é uma dimensão específica do Estado de Direito, caracterizada pela existência de regras constitucionais sobre receitas e despesas públicas, com foco especial na tributação como base para o financiamento das ações do Estado. Em outras palavras: – É o modelo de Estado em que arrecadação e gastos públicos são regulados por leis e normas constitucionais, garantindo: Controle, Planejamento, Transparência, E limites ao poder de gastar e tributar. |
| – “A Constituição Orçamentária constitui o Estado Orçamentário.” Ou seja, sem regras constitucionais sobre o orçamento, não há democracia financeira. O Estado precisa arrecadar e gastar dentro de limites legais, com transparência e controle, para ser verdadeiramente um Estado de Direito. |
Estudar o orçamento público é importante para a compreensão completa do Direito Financeiro, na medida que toda ação estatal passa pelo orçamento. Como já dito, toda atuação estatal tem custo financeiro e o orçamento é o início (previsão da receita) e o fim (fixação da despesa) da atuação estatal.
Em sua origem, o orçamento surgiu como forma de coibir, entre outras coisas, a voracidade e a cobrança indiscriminada de impostos por parte do Estado, bem como separar as finanças do rei e a do reino. Tem origem em 1215, na Carta Magna da Inglaterra do Rei João Sem Terra. Neste momento, ele se comprometia que aumentos e criação de novos impostos deveriam contar com a aprovação dos Conselhos formados por representantes destes segmentos, ao mesmo tempo que eram estabelecidos limites claros para o financiamento dos gastos pessoais do rei. Trata-se do surgimento do embrião do orçamento e, também importante, do consentimento, pelos representantes da sociedade, da cobrança de impostos pelo Estado, ou, de forma mais clara, do imposto consentido. A Carta Magna de 1215 foi confirmada várias vezes por diversos soberanos, embora com algumas modificações tenham sido realizadas. Na França, somente após a Revolução de 1789, que deu fim à ordem feudal, é que foi adotado o princípio do consentimento popular na cobrança de impostos, dando origem ao orçamento para a administração e controle das contas do Estado. Nos Estados Unidos, foi após a conquista da independência, em 1776, motivada também pelo excesso de impostos cobrados pelo governo inglês, que a instituição orçamentária começou a ser erguida. No Brasil a primeira exigência de elaboração formal do orçamento data de 1824, mas, efetivamente, somente em 1830 foi apresentado, pelo Poder Executivo, para aprovação do parlamento, a previsão de receitas e despesas para o exercício fiscal de 1831.
Como ensina Celso Ribeiro Bastos[10], a inspiração última do orçamento é de se tornar um instrumento de exercício da democracia pelo qual os particulares exercem o direito, por intermédio de seus mandatários, de só verem efetivadas as despesas que estiverem autorizadas na lei orçamentária.
Como o orçamento é fruto do trabalho do Poder Legislativo, as suas diretrizes passam pela tomada de decisão dos membros do Parlamento.
Assim, o orçamento é visto como um instrumento pois permite:
- Analisar a condução e desenvolvimento das políticas públicas;
- Transparência na priorização das metas do Governo;
- Autorização popular (indireta) para realização do gasto público;
- Indicação de falhas de planejamento dos governantes.
Quadro Resumo – Noções Fundamentais sobre o Orçamento Público:
| Resumo | |
| Base Constitucional | O orçamento público está disciplinado na Constituição Federal de 1988, com princípios e regras sobre elaboração, receitas e despesas. |
| Função | É o principal instrumento de governo e de políticas públicas. Define como os recursos serão arrecadados e distribuídos entre grupos e áreas sociais. |
| Dimensão Democrática | O orçamento reflete os problemas centrais da democracia, como representação popular e accountability (responsabilização e controle). |
| Conceito de Constituição Orçamentária (Ricardo Lobo Torres) | Parte da Constituição Financeira, ao lado da Tributária e Monetária. O orçamento “constitui” o Estado Orçamentário, baseado em receitas (especialmente tributárias) e nas despesas como instrumentos da ação estatal. |
| Importância no Direito Financeiro | Toda atuação do Estado passa pelo orçamento: é o ponto de partida (previsão da receita) e o ponto final (fixação da despesa). |
| Origem histórica | – Inglaterra (1215): Carta Magna → princípio do imposto consentido (limitação do poder tributário do rei). – França (1789): após a Revolução Francesa, surge o orçamento como controle da cobrança de tributos. – EUA (1776): independência impulsionada por excesso tributário, com instituição orçamentária pós-independência. – Brasil (1824): previsão constitucional do orçamento; primeira proposta concreta em 1830 para o exercício de 1831. |
| Aspecto democrático (Celso Ribeiro Bastos) | O orçamento permite que o povo, por meio dos representantes, controle e autorize os gastos públicos. |
| Papel do Legislativo | O orçamento é elaborado e aprovado pelo Parlamento, garantindo a legitimidade democrática da despesa pública. |
| Funções práticas do orçamento | – Avaliação das políticas públicas; – Transparência nas metas do governo; – Autorização (indireta) da sociedade para gastos; – Detecção de falhas de planejamento. |
CONCEITO DE ORÇAMENTO:
O conceito de orçamento vem sofrendo evolução com o passar do tempo, aproximando-se da atual realidade e do papel do Estado como ente com a missão de realizar os direitos fundamentais.
No conceito clássico de orçamento ele era visto como uma simples peça contábil, trazendo a previsão da receita e a fixação da despesa. José Afonso da Silva[11] trata do tema da seguinte forma:
O orçamento clássico, cuja origem se identifica com a das instituições democráticas representativas, era uma peça de previsão das receitas e autorização das despesas públicas, classificadas estas por objeto sem se cogitar das necessidades reais da administração e da população, nem dos objetivos econômico-sociais a atingir com sua execução.
Assim, no conceito clássico, o orçamento é focado nos seus aspectos puramente técnicos e contáveis.
Mas o orçamento evoluiu muito ao longo do tempo, até atingir a condição da lei materialmente mais importante do ordenamento jurídico após a Constituição. Uma evolução que o fez passar de um documento estático, que apenas previa receitas e autorizava despesas, em sua concepção tradicional, para ser um instrumento de gestão e de planejamento.[12]
Com a evolução da forma de pensar o Estado e deste agir, em especial a partir da Constituição Federal de 1946, passa o orçamento a não ser visto mais como uma peça puramente financeira, para ser visto como um programa de ação, com a finalidade de programar a vida financeira do Estado. Estamos diante do conceito moderno de orçamento. De acordo com Baleeiro, nasceu a concepção do orçamento moderno, graças ao qual os representantes dos contribuintes condicionam a aprovação ao emprego dos fundos aos fins que mais interessam ao povo representado.
Na concepção moderna de orçamento, a preocupação vai além do perfeito equilíbrio entre as receitas e despesas, permitindo-se o endividamento estatal (crédito público), desde que atentos ao interesse público da sociedade.
Conforme Harisson Leite, orçamento é a lei que autoriza os gastos que o Governo pode realizar durante um período determinado, discriminando detalhadamente as obrigações que deva concretizar, com a previsão concomitante dos ingressos necessários para cobri-las.[13]
CONCEITO DE ORÇAMENTO PÚBLICO (ESTRUTURADO E FUNDAMENTADO):
O orçamento público é o instrumento jurídico, político e técnico por meio do qual o Poder Público planeja e autoriza a arrecadação das receitas e a realização das despesas públicas para determinado período, refletindo as diretrizes e metas do governo, observando os princípios constitucionais da legalidade, transparência, equilíbrio fiscal e responsabilidade na gestão dos recursos públicos.
Desdobrando o conceito:
| 1. “Instrumento jurídico, político e técnico” 🔹 Fundamento doutrinário: José Afonso da Silva define o orçamento como um “ato-condição para a realização de despesas públicas, com dupla natureza: técnica e política” (Curso de Direito Constitucional Positivo). Ele ressalta que o orçamento é instrumento de governo, pois traduz as opções políticas do gestor público em linguagem contábil e legal. 🔹 Fundamento constitucional: Art. 165, caput, da CF/88: “Leis de iniciativa do Poder Executivo estabelecerão […] os orçamentos anuais” → demonstra a natureza legal (jurídica) do instrumento. |
| 2. “Planeja e autoriza a arrecadação e realização das despesas públicas para determinado período” 🔹 Fundamento constitucional: Art. 165, §5º, CF: A LOA compreende os orçamentos fiscal, de investimentos e da seguridade social → planejamento. Art. 167, I e II, CF: veda realizar despesas ou iniciar programas sem previsão na LOA → reforça o papel autorizativo. 🔹 Doutrina complementar: Ricardo Lobo Torres destaca que o orçamento não apenas prevê receitas e despesas, mas constitui o Estado Orçamentário, sendo condição de validade da ação financeira estatal. |
| 3. “Reflete as diretrizes e metas do governo” 🔹 Fundamento constitucional: Art. 165, §1º: O Plano Plurianual estabelece objetivos e metas da administração pública. Art. 165, §2º: A LDO define as prioridades e metas da administração. Art. 165, §5º: A LOA executa esse planejamento. 🔹 Interpretação sistemática: A trilogia PPA–LDO–LOA revela que o orçamento não é uma peça isolada, mas sim instrumento de integração entre planejamento e execução das políticas públicas. |
| 4. “Observando os princípios constitucionais da legalidade, transparência, equilíbrio fiscal e responsabilidade” 🔹 Princípio da legalidade orçamentária: Art. 167, I e V, CF: vedação de despesa sem crédito orçamentário. Art. 165, §9º, CF: exige lei complementar para organizar o ciclo orçamentário. 🔹 Princípio da transparência e controle social: Art. 165, §3º, CF: relatório bimestral de execução orçamentária. Art. 163-A, CF: publicidade dos dados fiscais em meio eletrônico. 🔹 Princípio da responsabilidade fiscal: Art. 164-A, CF (EC 109/21): determina que a política fiscal assegure a sustentabilidade da dívida pública. Art. 165, §2º, CF: metas fiscais devem respeitar a trajetória sustentável da dívida. Complementado pela Lei de Responsabilidade Fiscal – LRF (LC 101/2000). |
SÍNTESE FINAL DO CONCEITO FUNDAMENTADO:
O orçamento público é um ato formal de iniciativa do Poder Executivo, aprovado pelo Legislativo, que planeja e autoriza a arrecadação de receitas e a realização de despesas por um período determinado (geralmente anual), conforme as diretrizes e metas definidas pelo plano plurianual e pela LDO, visando à eficiência na alocação dos recursos públicos, à redução de desigualdades sociais e regionais, à transparência, ao controle social e à responsabilidade fiscal, nos termos dos arts. 163 a 169 da Constituição Federal e da Lei Complementar nº 101/2000 (LRF).
1.3. Leis orçamentárias: Plano Plurianual, Lei de Diretrizes Orçamentárias e Lei Orçamentária Anual
O orçamento público é uma lei formal, de efeitos concretos e temporários, que não cria direitos subjetivos, mas autoriza a execução das despesas e a arrecadação das receitas conforme os limites previamente definidos pelo Poder Legislativo, com base em iniciativa do Poder Executivo.
I. NATUREZA JURÍDICA DO ORÇAMENTO PÚBLICO: Corrente Majoritária – Orçamento é Lei
A doutrina majoritária — adotada no ordenamento jurídico brasileiro — entende que o orçamento público possui natureza de lei formal, ou seja, trata-se de um ato normativo com forma de lei, mas sem conteúdo material típico de norma jurídica substantiva.
Isso significa que o orçamento apenas prevê receitas e autoriza despesas, sem gerar direitos subjetivos diretamente exigíveis pelo cidadão.
Essa classificação leva em consideração a origem da norma (rito legislativo), e não o seu conteúdo. Assim, o orçamento, embora não possua abstração, generalidade ou imperatividade, é considerado lei porque resulta do processo legislativo ordinário, com iniciativa do Executivo e aprovação do Legislativo, nos termos do art. 165 da CF/88.
O jurista JOSÉ AFONSO DA SILVA[14] afirma que o Orçamento Público é um ato-condição para a realização de despesas públicas, possuindo natureza jurídica de lei formal. Entretanto, difere das leis ordinárias por não criar direitos subjetivos, mas sim autorizar a arrecadação de receitas e a realização de despesas.
II. LEI DE EFEITOS CONCRETOS E TEMPORÁRIOS
As leis orçamentárias se caracterizam por terem efeitos concretos e duração determinada, ao contrário da maioria das leis, que são geralmente abstratas, genéricas e impessoais.
► Vigência Temporária: o orçamento é um ato jurídico de duração limitada, destinado a regular as finanças públicas dentro de períodos específicos previamente estabelecidos.
III. TIPOS DE LEIS ORÇAMENTÁRIAS E SEUS PRAZOS
O art. 165 da CF determina que leis de iniciativa do Poder Executivo instituirão:
- Plano Plurianual (PPA) – diretrizes e metas de médio prazo (mínimo 4 anos);
- Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) – metas e prioridades para o exercício seguinte;
- Lei Orçamentária Anual (LOA) – previsão de receitas e fixação das despesas.
Portanto, a CF estabelece três instrumentos distintos, com vigências e funções próprias:
A) Plano Plurianual (PPA)
- Duração: 4 anos.
- Previsão Constitucional: Art. 165, §1º e art. 35, §2º, I do ADCT.
- Início: 2º ano do mandato presidencial.
- Término: fim do 1º exercício financeiro do mandato seguinte.
B) Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO)
- Duração aproximada: cerca de 1 ano e meio.
- Função: orientar a elaboração da LOA.
- Vigência típica: da publicação (geralmente até 17 de julho) até o fim do exercício seguinte (31 de dezembro).
- Previsão Constitucional: Art. 165, §2º.
C) Lei Orçamentária Anual (LOA)
- Duração: 1 ano.
- Vigência: de 1º de janeiro a 31 de dezembro.
- Fundamento: princípio da anualidade orçamentária.
- Previsão: Art. 165, §5º.
José Afonso da Silva[15] analisa os três principais Instrumentos de Planejamento Orçamentário previstos na Constituição Federal:
- Plano Plurianual (PPA): estabelece, de forma regionalizada, as diretrizes, objetivos e metas da administração pública para despesas de capital e outras delas decorrentes.
- Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO): compreende as metas e prioridades da administração pública, incluindo as despesas de capital para o exercício financeiro subsequente.
- Lei Orçamentária Anual (LOA): estima a receita e fixa a despesa para o exercício financeiro.
IV. OBSERVAÇÃO IMPORTANTE: Exercício Financeiro ≠ Vigência da Lei
Embora a LOA coincida com o exercício financeiro (ano civil: 1º de janeiro a 31 de dezembro), as outras leis orçamentárias não possuem essa correspondência exata, especialmente o PPA e a LDO.
V. PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS APLICÁVEIS
Alguns princípios que regem o orçamento público são:
- Legalidade: todas as receitas e despesas devem estar previstas em lei.
- Anualidade: o orçamento deve ser elaborado e executado anualmente.
- Universalidade: todas as receitas e despesas devem constar no orçamento.
- Equilíbrio: as despesas não podem exceder as receitas previstas.
REFERÊNCIAS:
[1] BARRETO, Simone Rodrigues Costa. Op. Cit., p. 13.
[2] LEITE, Harrisson. Manual de Direito Financeiro. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 41-43.
[3] Op. Cit. p. 20-21.
[4] Normas sobre Finanças Públicas: SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 734.
[5] LEITE, Harrisson. Manual de Direito Financeiro. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 41-43.
[6] Op. Cit., p. 41-43.
[7] Representação: os parlamentares (deputados e senadores), eleitos pelo povo, votam o orçamento. Assim, espera-se que representem os interesses da população.
[8] Accountability: é a prestação de contas. O orçamento permite que o cidadão fiscalize como o dinheiro público está sendo usado, cobrando transparência e responsabilidade dos governantes.
[9] Ricardo Lobo Torres
[10] Celso Ribeiro Bastos
[11] SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 25. ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2005.
[12] SILVA, José Afonso da. Orçamento-programa no Brasil, São Paulo: RT, 1973, p. 37-44
[13] Op. Cit., p. 41-43.
[14] Op. Cit., p. 735–748.
[15] Op. Cit., p. 735-748.
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