A norma cogente (ou norma imperativa) não pode ser afastada pela vontade das partes em um acordo ou contrato.

Geralmente são normas com viés de interesse público, que protegem bens de interesse geral da sociedade e direitos fundamentais, portanto, inafastáveis.

O contrário das normas cogentes são as normas dispositivas, que podem ser modificadas pela vontade das partes.

Há normas dispositivas e cogentes em todos os ramos do Direito.

No Direito de Família, por exemplo, entende-se que não se pode renunciar a pensão alimentícia de menor. O genitor que renunciasse a valores devidos a este título estaria renunciando a direito que não é seu, é do menor, consistente em verba alimentar.

No Direito Penal todas as normas de direito material são cogentes, pois obviamente defendem a sociedade e bens de interesse público, estabelecendo crimes e sanções.

No Direito Civil, muitas normas podem ser afastadas em contrato, conforme a negociação das partes, pois entende-se que ambas estão em pé de igualdade no momento do acordo.

Já no Direito do Consumidor e no Direito do Trabalho, há uma parte hipossuficiente em relação à outra, de forma que as normas cogentes aparecem em maior quantidade. Não se pode renunciar a salário mínimo, jornada máxima de trabalho, e normas que definem o que são práticas abusivas numa relação de consumo.

Quais são os critérios utilizados pelos tribunais para determinar a cogência de uma norma contratual?

Os tribunais utilizam diversos critérios para determinar a cogência de uma norma contratual.

Um dos principais critérios é a natureza da norma.

Normas que visam proteger o interesse público ou assegurar o equilíbrio contratual são frequentemente consideradas cogentes. Por exemplo, o Tribunal de Justiça de São Paulo, ao analisar a aplicação do artigo 413 do Código Civil, destacou que a norma é cogente por tratar de cláusula penal, que deve ser reduzida equitativamente em caso de cumprimento parcial da obrigação ou quando a penalidade for manifestamente excessiva.

AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO MONITÓRIA – FASE DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Decisão que não conheceu do pedido de redução da cláusula penal – Agravo interposto pela executada. CLÁUSULA PENAL – O artigo 413 do Código Civil definiu expressamente os critérios para a redução equitativa da cláusula penal – Norma cogente e de ordem pública, que estabelece um dever para o Juiz e um direito para o devedor – Em vista disso, ainda que a cláusula penal tenha sido estipulada em acordo homologado por sentença transitada em julgado, deve o Juiz reduzi-la equitativamente se a obrigação principal tiver sido parcialmente cumprida ou se o valor da penalidade for manifestamente excessivo. No caso dos autos, a cláusula penal estipulada no acordo homologado por sentença transitada em julgado (fls. 626/627 e 634 dos autos principais) consiste na incidência de multa no valor de 30% (trinta por cento) e de honorários advocatícios no valor de 20% (vinte por cento), ambos sobre o valor total do débito (fls . 601 daqueles autos). PLEITO DE REDUÇÃO DOS PERCENTUAIS FIXADOS – IMPOSSIBILIDADE – Diante dos percentuais fixados, observa-se que o valor total da cominação imposta na cláusula penal não excede o valor da obrigação principal – Observância ao disposto no artigo 412 do Código Civil – Além disso, não há elementos nos autos que permitam reconhecer o caráter manifestamente excessivo dos percentuais. BASE DE CÁLCULO – POSSIBILIDADE DE ALTERAÇÃO – Tendo em vista o cumprimento parcial da obrigação, reconhecido pela própria exequente (fls. 636/639 daqueles autos), não se justifica a incidência da penalidade sobre o valor total do débito – Assim, cabível a redução equitativa da cláusula penal, de forma que multa e os honorários incidam apenas sobre as parcelas inadimplidas – Precedente deste E . Tribunal de Justiça em caso análogo. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – VIOLAÇÃO AO LIMITE MÁXIMO PREVISTO NO ARTIGO 85 DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – INOCORRÊNCIA – Honorários advocatícios estabelecidos no acordo que possuem natureza contratual, não se confundindo com os honorários sucumbenciais fixados na fase de conhecimento e no cumprimento de sentença. Decisão reformada – Recurso parcialmente provido, a fim de que a multa e os honorários advocatícios incidam apenas sobre o valor das parcelas inadimplidas, mantendo-se, contudo, os percentuais previstos no acordo. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 20176031820248260000 São Paulo, Relator.: Eurípedes Faim, Data de Julgamento: 18/07/2024, 23ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/07/2024)

Outro critério relevante é a supremacia do interesse público sobre o privado.

O Tribunal de Justiça do Paraná, em um caso envolvendo o prazo para execução de obras de infraestrutura em loteamentos, considerou a norma cogente por estar relacionada ao interesse social e à supremacia do interesse público.

AÇÃO REVISIONAL DE CONTRATO C/C PEDIDO DE RESSARCIMENTO E INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL.LOTEAMENTO RESIDENCIAL TERRA ROXA. FIXAÇÃO DE PRAZO PARA EXECUÇÃO DAS OBRAS DE INFRAESTRUTURA DE LOTEAMENTO. COMPETÊNCIA DO MUNÍCIPIO, NO CASO (ART . 30, INCISOS I E VIII, C/C ART. 182, § 1º, AMBOS DA CF/1988).CONTRATO FIRMADO EM 17.08 .2012, QUANDO JÁ VIGIA A CF/1988. OBRAS QUE DEVERIAM TER SIDO ENTREGUES NO PRAZO DE 3 ANOS, CONTADOS A PARTIR DA DATA DA APROVAÇÃO DA PLANTA DO LOTEAMENTO (ART. 22, § 1º, DA LEI MUNICIPAL 7483/1998, ACRESCIDO PELO ART. 2º, DA LEI MUNICIPAL Nº 8530/2001) . CONTRATO QUE CONTÉM CLÁUSULA ESTIPULANDO PRAZO (4 ANOS) DIFERENTE DO PRAZO PREVISTO NA LEGISLAÇÃO MUNICIPAL (3 ANOS).INVALIDADE. PRAZO DE ENTREGA QUE NÃO PODE SER ALTERADO POR CONVENÇÃO DAS PARTES. NORMA COGENTE OU DE IMPERATIVIDADE ABSOLUTA . OBRAS DE INFRAESTRUTURA QUE SÃO DE INTERESSE SOCIAL (ART. 6º DA LEI 6.766/1979). SUPREMACIA DO INTERESSE PÚBLICO SOBRE O INTERESSE PARTICULAR . ATRASO EXCESSIVO NA ENTREGA (APROXIMADAMENTE 1 ANO E 6 MESES). PRAZO DE TOLERÂNCIA DE 180 DIAS. AUSÊNCIA DE PREVISÃO CONTRATUAL. INAPLICABILIDADE . DANO MORAL QUE SE MOSTRA DE ACORDO COM AS PARTICULARIDADES DO CASO. PRINCÍPIOS DA RAZOABILIDADE E PROPOROCIONALIDADE RESPEITADOS. TAXA DE ADMINISTRAÇÃO. CONTRATAÇÃO EXPRESSA . COBRANÇA DECORRENTE DE CUSTOS RELACIONADOS À ADMINISTRAÇÃO E GERENCIAMENTO DO CONTRATO. VALIDADE. SUCUMBÊNCIA ALTERADA.RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO . (TJPR – 17ª C. Cível – AC – 1642308-4 – Região Metropolitana de Londrina – Foro Central de Londrina – Rel.: Desembargador Fernando Paulino da Silva Wolff Filho – Unânime – J. 12 .07.2017) (TJ-PR – APL: 16423084 PR 1642308-4 (Acórdão), Relator.: Desembargador Fernando Paulino da Silva Wolff Filho, Data de Julgamento: 12/07/2017, 17ª Câmara Cível, Data de Publicação: DJ: 2079 28/07/2017)

Além disso, a proteção ao consumidor é um critério frequentemente utilizado. O Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 51, estabelece a nulidade de cláusulas abusivas, reforçando a cogência de normas que visam proteger o consumidor e assegurar o equilíbrio contratual.

SEÇÃO II
Das Cláusulas Abusivas

        Art. 51. São nulas de pleno direito, entre outras, as cláusulas contratuais relativas ao fornecimento de produtos e serviços que:

        I – impossibilitem, exonerem ou atenuem a responsabilidade do fornecedor por vícios de qualquer natureza dos produtos e serviços ou impliquem renúncia ou disposição de direitos. Nas relações de consumo entre o fornecedor e o consumidor pessoa jurídica, a indenização poderá ser limitada, em situações justificáveis;

        II – subtraiam ao consumidor a opção de reembolso da quantia já paga, nos casos previstos neste código;

        III – transfiram responsabilidades a terceiros;

        IV – estabeleçam obrigações consideradas iníquas, abusivas, que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada, ou sejam incompatíveis com a boa-fé ou a eqüidade;

        V – (Vetado);

        VI – estabeleçam inversão do ônus da prova em prejuízo do consumidor;

        VII – determinem a utilização compulsória de arbitragem;

        VIII – imponham representante para concluir ou realizar outro negócio jurídico pelo consumidor;

        IX – deixem ao fornecedor a opção de concluir ou não o contrato, embora obrigando o consumidor;

        X – permitam ao fornecedor, direta ou indiretamente, variação do preço de maneira unilateral;

        XI – autorizem o fornecedor a cancelar o contrato unilateralmente, sem que igual direito seja conferido ao consumidor;

        XII – obriguem o consumidor a ressarcir os custos de cobrança de sua obrigação, sem que igual direito lhe seja conferido contra o fornecedor;

        XIII – autorizem o fornecedor a modificar unilateralmente o conteúdo ou a qualidade do contrato, após sua celebração;

        XIV – infrinjam ou possibilitem a violação de normas ambientais;

        XV – estejam em desacordo com o sistema de proteção ao consumidor;

        XVI – possibilitem a renúncia do direito de indenização por benfeitorias necessárias.

XVII – condicionem ou limitem de qualquer forma o acesso aos órgãos do Poder Judiciário;         (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)

XVIII – estabeleçam prazos de carência em caso de impontualidade das prestações mensais ou impeçam o restabelecimento integral dos direitos do consumidor e de seus meios de pagamento a partir da purgação da mora ou do acordo com os credores;         (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)

XIX – (VETADO).        (Incluído pela Lei nº 14.181, de 2021)

        § 1º Presume-se exagerada, entre outros casos, a vantagem que:

        I – ofende os princípios fundamentais do sistema jurídico a que pertence;

        II – restringe direitos ou obrigações fundamentais inerentes à natureza do contrato, de tal modo a ameaçar seu objeto ou equilíbrio contratual;

        III – se mostra excessivamente onerosa para o consumidor, considerando-se a natureza e conteúdo do contrato, o interesse das partes e outras circunstâncias peculiares ao caso.

        § 2° A nulidade de uma cláusula contratual abusiva não invalida o contrato, exceto quando de sua ausência, apesar dos esforços de integração, decorrer ônus excessivo a qualquer das partes.

        § 3° (Vetado).

        § 4° É facultado a qualquer consumidor ou entidade que o represente requerer ao Ministério Público que ajuíze a competente ação para ser declarada a nulidade de cláusula contratual que contrarie o disposto neste código ou de qualquer forma não assegure o justo equilíbrio entre direitos e obrigações das partes.

Portanto, os tribunais consideram a natureza da norma, a proteção de interesses públicos e sociais, e a proteção ao consumidor como critérios fundamentais para determinar a cogência de normas contratuais, conforme evidenciado nos documentos analisados.

A norma do Parágrafo único do Artigo 473 do Código Civil é cogente?

CAPÍTULO II – Da Extinção do Contrato

Seção I – Do Distrato

Art. 472. O distrato faz-se pela mesma forma exigida para o contrato.

Art. 473. A resilição unilateral, nos casos em que a lei expressa ou implicitamente o permita, opera mediante denúncia notificada à outra parte.

Parágrafo único. Se, porém, dada a natureza do contrato, uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos.

A norma do parágrafo único do artigo 473 do Código Civil apresenta características de cogência, sendo interpretada como obrigatória em diversos contextos jurídicos.

O dispositivo estabelece que, em contratos nos quais uma das partes tenha realizado investimentos consideráveis para sua execução, a resilição unilateral só produzirá efeitos após transcorrido prazo compatível com a natureza e o vulto dos investimentos. Essa regra busca assegurar o equilíbrio contratual e proteger a parte que realizou investimentos significativos, fundamentando-se nos princípios da função social do contrato e da boa-fé objetiva.

A jurisprudência analisada reforça essa interpretação. O Tribunal de Justiça do Maranhão, por exemplo, afirmou que a norma é cogente e não pode ser afastada pela vontade das partes, destacando sua base nos princípios mencionados (neste sentido: Tribunal de Justiça do Maranhão TJ-MA: 0804072-14.2018.8.10.00011). De forma semelhante, o Tribunal de Justiça de Goiás reconheceu que a aplicação do parágrafo único do artigo 473 do Código Civil visa proteger a parte que investiu na relação contratual, sendo surpreendida por uma resilição unilateral e imotivada (neste sentido: Tribunal de Justiça de Goiás TJ-GO – APELACAO CIVEL: AC 0182670-39.2013.8.09.0029 CATALAO2).

Além disso, decisões como a do Tribunal de Justiça de Minas Gerais (Apelação Cível: AC 7925873-02.2007.8.13.0024 Belo Horizonte)3 e do Tribunal de Justiça do Estado da Bahia (Agravo de Instrumento: 8034408-60.2023.8.05.0000)4 indicam que a eficácia da denúncia unilateral pode ser suspensa em casos de investimentos consideráveis, evidenciando que a norma não confere um direito absoluto ao contratante, mas exige a observância de circunstâncias específicas.

Portanto, com base nas fontes consultadas, a norma do parágrafo único do artigo 473 do Código Civil é interpretada como cogente, sendo obrigatória em situações que envolvam investimentos significativos e demandem equilíbrio contratual.

Essa interpretação é sustentada por decisões judiciais que aplicam o dispositivo em conformidade com os princípios da boa-fé e da função social do contrato.

Não foram encontrados julgados indicando claramente a possibilidade de flexibilização da norma.

O Tribunal de Justiça de Goiás, em uma de suas decisões, sugere que a norma é dispositiva, permitindo que as partes ajustem as condições de notificação prévia conforme sua vontade (Apl 0245966-32.2014.8.09.0051)5. Por outro lado, outras decisões, como a do Tribunal de Justiça do Pará, (Apl 0000073-40.2015.8.14.9100)6 indicam que a norma é cogente, especialmente quando visa proteger investimentos significativos realizados por uma das partes, refletindo a necessidade de um prazo compatível para a resilição.

O Superior Tribunal de Justiça também analisou a aplicação prática da norma, destacando que a resilição unilateral pode ser considerada abusiva se não respeitar o tempo necessário para a recuperação dos investimentos realizados 15.

Portanto, a cogência da norma pode depender do contexto específico do contrato e dos investimentos realizados, sendo que a interpretação pode variar conforme o entendimento dos tribunais e as circunstâncias do caso concreto. Porém, a quantidade de decisões confirmando a cogência da norma é bem maior que a quantidade de decisões contrárias a tal interpretação.

Quanto à possibilidade de flexibilização, portanto, a análise de julgados indica que, em algumas situações, a norma pode ser adaptada conforme a vontade das partes, desde que não haja prejuízo significativo à parte que realizou investimentos consideráveis (Tribunal de Justiça de Goiás TJ-GO: 0245966-32.2014.8.09.0051). Caso isso venha a ser feito, sugere-se que o seja por escrito e de forma explícita e evitando lacunas interpretativas, pois essa flexibilização deve ser analisada com cautela, considerando os princípios da boa-fé e da função social do contrato. Se o contrato for omisso, deve ser seguida a regra do Código Civil.

Tribunal de Justiça de São Paulo TJ-SP – Apelação Cível: 1067429-26.2021.8.26.0100 São Paulo

CONTRATO DE TRANSPORTE DE MERCADORIAS – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR RESCISÃO CONTRATUAL IMOTIVADA – Ajuste firmado por prazo indeterminado – Rescisão unilateral por parte da requerida, sem notificação prévia, alegando que tal se seu por culpa da autora – Inexistência de prova de infração contratual por parte da autora – Rescisão que deve ser considerada unilateral e imotivada – Inobservância da cláusula contratual que permite a rescisão unilateral mediante prévia notificação com antecedência de 30 dias – Indenização pelos lucros cessantes causados pelo desrespeito ao aviso prévio que foi corretamente determinada pela sentença – Alegação da transportadora autora de que a rescisão abrupta do contrato ocasionou prejuízos decorrentes da contratação de capital de giro e aquisição de caminhões para prestação do serviço de transporte contratado – Ausência de previsão contratual sobre amortização dos investimentos efetuados pela parte contratada – Sentença que, de forma acertada, afastou na espécie a incidência do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil – Caminhões que se tornaram patrimônio da empresa e que servem à sua atividade-fim – Ausência de provas de que os valores mutuados para capital de giro foram empregados no cumprimento do contrato em discussão – Ausência de provas de que os encargos trabalhistas somente se deram por força do contrato com a ré – Existência, ademais, de funcionários que já trabalhavam na empresa antes do contrato em questão – Sentença mantida, inclusive por seus próprios fundamentos, nos termos do artigo 252, do Regimento Interno desta C. Corte. Nega-se provimento ao recurso. (TJ-SP – Apelação Cível: 10674292620218260100 São Paulo, Relator.: Sidney Braga, Data de Julgamento: 12/07/2024, 19ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 12/07/2024)

Este caso trata de uma disputa contratual entre uma empresa de transportes e uma rede atacadista, após a rescisão unilateral do contrato de prestação de serviços de logística e transporte.

A transportadora alega que a rescisão abrupta causou prejuízos significativos, incluindo investimentos em capital de giro e aquisição de caminhões, além de despesas trabalhistas.

A controvérsia gira em torno da responsabilidade pela indenização desses investimentos, com a transportadora buscando aplicação do artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, que trata da proteção a investimentos consideráveis em contratos de longo prazo.

A rede atacadista, por sua vez, defende que a rescisão estava prevista contratualmente e que não houve comprovação dos alegados prejuízos.

No caso, as partes haviam firmado um contrato de transporte por prazo indeterminado, com cláusula permitindo a rescisão unilateral mediante aviso prévio de 30 dias.

O Atacadão rescindiu o contrato por e-mail, mas sem cumprir o aviso prévio.

A BR Transportes alegou que, por causa da rescisão abrupta, teve os seguintes prejuízos:

  • empréstimos de capital de giro (R$ 250 mil);
  • compra de caminhões (mais de R$ 1,5 milhão);
  • verbas rescisórias de funcionários (R$ 73 mil).

Pediu indenização com base no artigo 473, parágrafo único, do Código Civil, que protege investimentos vultosos feitos para execução do contrato.

O TJSP decidiu o seguinte:

  1. Reconhecimento do aviso prévio
    • Como o Atacadão não respeitou os 30 dias de aviso, foi condenado a pagar o valor correspondente a um mês de contrato (cerca de R$ 42 mil).
    • Essa parte não foi questionada no recurso.
  2. Negativa de indenização pelos demais investimentos
    • O Tribunal entendeu que não houve prova suficiente de que os caminhões e empréstimos foram feitos exclusivamente para esse contrato.
    • Os caminhões comprados tornaram-se patrimônio da transportadora e podem ser usados em outros contratos.
    • O capital de giro não foi comprovado como utilizado apenas para atender o Atacadão.
    • Os encargos trabalhistas não decorriam apenas desse contrato, pois havia empregados antigos na empresa.
    • Não havia cláusula contratual prevendo ressarcimento desses investimentos.
  3. Aplicação do art. 473, parágrafo único, CC
    • O dispositivo protege investimentos consideráveis quando o contrato é encerrado abruptamente.
    • Mas o TJSP entendeu que, no caso, não ficou provado que os investimentos eram extraordinários, indispensáveis ou sem possibilidade de aproveitamento em outros contratos.
    • Assim, não se aplicou a regra. Observe-se: A norma não for entendida como dispositiva, foi mantido o entendimento de que é cogente. Porém, o TJSP entendeu que a transportadora não conseguiu provar que os investimentos foram feitos somente para atender especialmente a rede atacadista.
  • A jurisprudência do STJ admite responsabilização mesmo com cláusula de rescisão unilateral, mas só quando há investimentos vultosos comprovadamente ligados ao contrato (o que não ocorreu aqui).
  • Como os bens e gastos podiam ser aproveitados pela empresa em sua atividade normal, não cabia a indenização além do aviso prévio.

Assim, a recurso da BR Transportes foi negado.

O TJSP entendeu que a rescisão foi válida (apesar de irregular quanto ao aviso), mas que os investimentos alegados eram parte normal da atividade da transportadora e não justificavam indenização adicional.


NOTAS:

  1. PROCESSUAL CIVIL. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NA APELAÇÃO CÍVEL. EMBARGOS ACOLHIDOS SEM EFEITOS INFRINGENTES. I. Os aclaratórios têm rígidos contornos processuais, cujas hipóteses de cabimento estão taxativamente previstas no artigo 1.022 do Código de Processo Civil, sendo oponíveis nos casos de decisões judicias obscuras, omissas ou contraditórias. II. Quanto à alegada omissão acerca da aplicabilidade do prazo expresso de 30 dias para notificação da rescisão contratual previsto em lei especial (art. 34 da Lei n.º 4.886/65), importante pontuar que, conforme já consignado anteriormente no acórdão embargado, entendo que não obstante a existência de expressa previsão contratual que permita o encerramento do contrato por qualquer das partes, mediante notificação prévia de 30 (trinta) dias, impende destacar a regra disposta no art. 473parágrafo único, do Código Civil. III. Evidencia-se que a norma em destaque é cogente e tem como base os princípios da função social do contrato e da boa-fé, não podendo ser afastada pela vontade das partes. Ressaltei, ainda, que nos termos do artigo 720 do Código Civil, a denúncia sem justo motivo do contrato por prazo indeterminado, por ato unilateral de um dos contratantes, deve observar o prazo mínimo de 90 (noventa) dias, prazo este que poderá ser prorrogado pelo juiz diante da natureza e o vulto do investimento, em caso de divergência entre as partes, bem como que no caso em exame, a apelante, ora embargante, não observou os preceitos legais quanto ao prazo para cientificar a empresa demandante em relação ao descredenciamento. IV. Em relação à omissão referente à multa aplicada em desfavor da ora embargante, consigno que ela se mostra devidamente justificada na sentença de base em razão do descumprimento do comando judicial por parte da empresa ora embargante. Isso porque inobstante o juiz de base tenha determinado a manutenção da média de faturamento da empresa ora embargada, a Claro S/A não a cumpriu em seus termos, pois, fechado novo ciclo financeiro em dezembro/2018, há prova do número de serviços executados no ano de 2017 em comparação ao ano de 2018 e 2019, ficando evidente que não houve a manutenção da média de serviços em favor da Autora, ora embargada. V. Irretocável a sentença de piso, que manteve o valor da multa diária anteriormente fixada e excluiu a sua limitação temporal ou valorativa em face de resistência injustificada ao cumprimento daquela ordem. VI. Embargos acolhidos, sem efeitos infringentes, para suprir a omissão e integralizar o acórdão embargado, nos termos da fundamentação supra. (ApCiv 0804072-14.2018.8.10.0001, Rel. Desembargador (a) JOSE JORGE FIGUEIREDO DOS ANJOS, PRESIDÊNCIA, DJe 02/07/2023) ↩︎
  2. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO POR PRAZO DETERMINADO. CLÁUSULAS GERAIS. PREVISÃO DE RESILIÇÃO IMOTIVADA. INVESTIMENTOS . INDENIZAÇÃO – ART. 473, PARÁGRAFO ÚNICO, CC. PRINCÍPIOS DA BOA-FÉ E FUNÇÃO SOCIAL DO CONTRATO. CERCEAMENTO DE DEFESA . AUSÊNCIA DE INDÍCIO PROBATÓRIO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA. DISTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL DAS DESPESAS. 1 – O legislador permite que uma das partes desfaça o vínculo contratual, operando-se mediante denúncia notificada à outra parte . 2 – A regra do parágrafo único do artigo 473 do Código Civil atende os princípios da finalidade social do contrato e da boa-fé, determinando a reparação da parte que teve expectativa da relação contratual duradoura, estruturando-se para atender às necessidades da contratada, mas é surpreendida com a resilição unilateral e imotivada. 3 – Se ausente indício de prova pertinente ao labor nos fins de semana correto o julgamento antecipada do feito sem violar os princípios do contraditório e da ampla defesa. 4 – Ocorrendo sucumbência recíproca, impõe-se a distribuição proporcional das despesas e honorários advocatícios. 8 – Apelo provido em parte. (TJ-GO – AC: 01826703920138090029 CATALAO, Relator.: DES. BEATRIZ FIGUEIREDO FRANCO, Data de Julgamento: 29/07/2014, 3A CAMARA CIVEL, Data de Publicação: DJ 1599 de 05/08/2014) ↩︎
  3. EMENTA: APELAÇÕES CÍVEIS – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS – RESILIÇÃO UNILATERAL – POSSIBILIDADE – INVESTIMENTOS CONSIDERÁVEIS – POSTERGAÇÃO DOS EFEITOS DA DENÚNCIA UNILATERAL – INDENIZAÇÃO – PEDIDOS SUCESSIVOS – SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA – DISTRIBUIÇÃO PROPORCIONAL DAS CUSTAS PROCESSUAIS E DOS HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS – LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ – NÃO OCORRÊNCIA. – É possível a resilição unilateral de contrato de prestação de serviço, prevista em uma de suas cláusulas – Se uma das partes houver feito investimentos consideráveis para a sua execução, a denúncia unilateral só produzirá efeito depois de transcorrido o prazo compatível com o investimento realizado, nos termos do parágrafo único do art. 473 do Código Civil – Há sucumbência recíproca, quando se verifica o acolhimento de pedido sucessivo, impondo-se a distribuição proporcional dos encargos respectivos – Para que a parte seja condenada em litigância de má-fé, necessário que a conduta da parte se enquadre em uma das hipóteses taxativas elencadas no art. 80 do CPC/2015, bem como que, da sua conduta, resulte algum prejuízo processual à parte adversa . (TJ-MG – AC: 79258730220078130024 Belo Horizonte, Relator.: Des.(a) Shirley Fenzi Bertão, Data de Julgamento: 22/11/2017, 11ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 30/11/2017) ↩︎
  4. PODER JUDICIÁRIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DA BAHIA Primeira Câmara Cível Processo: AGRAVO DE INSTRUMENTO n. 8034408-60.2023.8 .05.0000 Órgão Julgador: Primeira Câmara Cível AGRAVANTE: CENTRAL NACIONAL UNIMED – COOPERATIVA CENTRAL Advogado (s): BRUNO HENRIQUE DE OLIVEIRA VANDERLEI AGRAVADA: RC ASSESSORIA CONTABIL LTDA Advogado (s):BRUNA OLIVEIRA ARAUJO ACORDÃO AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE. RESCISÃO UNILATERAL . ILEGALIDADE. INEXISTÊNCIA DE ELEMENTOS QUE APONTEM infração contratual, fraude ou inadimplemento por parte da Agravada, que autorizasse a brusca ruptura do acordo. embora se trate de um direito potestativo do contratante, a denúncia não pode ser exercida sem a devida observância ao princípio da boa-fé objetiva e da função social dos contratos. INTELIGÊNCIA DO ART . 473, parágrafo único, do CC. RECURSO CONHECIDO E NÃO PROVIDO. Vistos, relatados e discutidos estes autos de Agravo de Instrumento nº 8034408-60.2023 .8.05.0000, oriundos da Comarca de Feira de Santana, tendo como Agravante a CENTRAL NACIONAL UNIMED – COOPERATIVA CENTRAL, sendo Agravada a RC ASSESSORIA CONTÁBIL LTDA. Acordam os Desembargadores integrantes da Primeira Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia, à unanimidade de votos, em NEGAR PROVIMENTO AO RECURSO . (TJ-BA – Agravo de Instrumento: 80344086020238050000, Relator.: LIDIVALDO REAICHE RAIMUNDO BRITTO, Data de Julgamento: 11/12/2023, PRIMEIRA CAMARA CÍVEL, Data de Publicação: 31/01/2024) ↩︎
  5. APELAÇÃO CÍVEL Nº 0245966.32.2014.8 .09.0051 COMARCA DE GOIÂNIA APELANTE : BASE LABORATÓRIO MÉDICO LTDA. APELADA : UNIMED GOIÂNIA COOPERATIVA DE TRABALHO MÉDICO RELATOR : DES. ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL . AÇÃO DECLARATÓRIA C/C INDENIZAÇÃO POR DANO MATERIAL E MORAL, COM PEDIDO DE ANTECIPAÇÃO DOS EFEITOS DA TUTELA. CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO NA ÁREA DE DIAGNOSE E EXAMES COMPLEMENTARES EM ANATOMIA PATOLÓGICA, CITOPATOLOGIA E ANÁLISES CLÍNICAS. RESILIÇÃO CONTRATUAL. UNIMED . OBSERVÂNCIA AO ARTIGO 473 DO CÓDIGO CIVIL. NORMA DISPOSITIVA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA NOS TERMOS CONTRATADOS. 1 . Nos termos do artigo 473 do Código Civil, é direito potestativo do contratante requerer a resilição do contrato, mediante notificação prévia do outro contratante. 2. Por se tratar de norma dispositiva, a notificação prévia a que se refere o mencionado artigo poderá ser disposta conforme a vontade dos litigantes. 3 . Observadas as disposições de Lei e contratuais, não há de se falar em óbice à resilição unilateral do contrato. APELAÇÃO CÍVEL CONHECIDA E DESPROVIDA. (TJ-GO 0245966-32.2014 .8.09.0051, Relator.: ALAN SEBASTIÃO DE SENA CONCEIÇÃO, Goiânia – 29ª Vara Cível, Data de Publicação: 18/05/2018) ↩︎
  6. Normal 0 21 false false false PT-BR X-NONE X-NONE PROCESSO CIVIL. CONTRATO. PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. RESCISÃO UNILATERAL IMOTIVADA . VIOLAÇÃO DOS DEVERES ANEXOS. BOA-FÉ OBJETIVA. COMPORTAMENTO CONTRADITÓRIO. FRUSTRAÇÃO DA LEGÍTIMA EXPECTATIVA DE CONTINUIDADE DA CONTRATAÇÃO . ART. 473, PARÁGRAFO ÚNICO, DO CÓDIGO CIVIL. REPARAÇÃO DOS DANOS MATERIAIS. PREJUÍZO DECORRENTE DOS INVESTIMENTOS REALIZADOS PARA CONTRATAÇÃO . APELAÇÃO CONHECIDA E IMPROVIDA, À UNANIMIDADE. Vistos, relatados e discutidos estes autos de APELAÇÃO CÍVEL, tendo como apelante CADAM S.A e apelado RCB FARIAS SERVIÇOS LTDA. Acordam os Excelentíssimos Desembargadores, Membros da 2ª Turma de Direito Privado deste Egrégio Tribunal de Justiça do Estado do Pará, à unanimidade, em CONHECER DO RECURSO DE APELAÇÃO E NEGAR-LHE PROVIMENTO, nos termos do voto da Excelentíssima Desembargadora-Relatora Luana de Nazareth A . H. Santalices. Belém (PA), data e hora registradas no sistema. LUANA DE NAZARETH A . H. SANTALICES Desembargadora Relatora (TJ-PA – APELAÇÃO CÍVEL: 00000734020158149100 18905169, Relator.: LUANA DE NAZARETH AMARAL HENRIQUES SANTALICES, Data de Julgamento: 26/03/2024, 2ª Turma de Direito Privado) ↩︎

Descubra mais sobre Renata Valera

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.