Recentemente, vivi um daqueles momentos que mexem não só com o profissional, mas com o humano em mim.
Atuei em um processo envolvendo uma criança com Transtorno do Espectro Autista (TEA), em pleno tratamento pelo método ABA. A família buscava, acima de tudo, garantir a continuidade do cuidado que ele já recebia – essencial para seu desenvolvimento.
O plano de saúde, contratado via Qualicorp com cobertura da AMIL, foi rescindido de forma unilateral. Era um típico “falso coletivo” — nome jurídico dado aos contratos que, embora classificados como coletivos, têm composição familiar e, na prática, deveriam seguir regras dos planos individuais.
Essa rescisão gerou pânico: a interrupção abrupta das terapias, justamente na idade crítica para desenvolvimento da linguagem e habilidades cognitivas, poderia comprometer a evolução da criança de forma permanente.
Ajuizamos a ação. E, mesmo com todos os argumentos jurídicos e médicos, a sentença inicial foi decepcionante: o juiz determinou a manutenção do contrato por apenas 6 meses. Como se houvesse prazo de validade para o direito à dignidade de uma criança com autismo.
Reformamos essa decisão em segunda instância. Com muito estudo e dedicação, a apelação foi acolhida em parte, garantindo a continuidade do tratamento, com base em fundamentos que quero compartilhar aqui para que mais pessoas – famílias, advogados, profissionais da saúde – conheçam seus direitos.
As teses jurídicas que fizeram a diferença
📌 Tema 1082 do STJ – Tratamento contínuo deve ser mantido
O Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Recursos Especiais nº 1.842.751/RS e 1.846.123/SP, firmou entendimento vinculante do Tema 1082: mesmo após a rescisão regular de plano de saúde coletivo, a operadora deve manter o tratamento de paciente internado ou em situação grave até a alta médica, desde que as mensalidades continuem sendo pagas.
E autismo, segundo a Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012), é considerado deficiência para todos os efeitos legais. Ou seja, aplica-se o mesmo princípio: o TEA exige tratamento contínuo, multidisciplinar e essencial à saúde e dignidade da pessoa.
Desta forma, trata-se de um caso de doença grave, encaixando-se no Tema 1.082 do STJ, sendo que o menor estava em tratamento de saúde.

O julgamento do RECURSO ESPECIAL Nº 1.846.123 – SP do Superior Tribunal de Justiça (STJ), um dos dois processos sobre o qual foi firmada a tese, envolve a impossibilidade de cancelamento unilateral do plano de saúde coletivo por parte da operadora, pois o beneficiário está em tratamento médico grave.
A decisão firma a tese de que, nesses casos, a operadora deve assegurar a continuidade do tratamento até a alta médica, contanto que o titular continue pagando as mensalidades. O STJ considerou a vulnerabilidade do paciente, a boa-fé contratual e o direito à saúde para fundamentar essa obrigatoriedade.
Igualmente, o RECURSO ESPECIAL Nº 1.842.751 – RS do Superior Tribunal de Justiça (STJ) aborda a questão do cancelamento unilateral de planos de saúde coletivos por operadoras, especialmente quando beneficiários estão em tratamento médico grave. O STJ firmou o entendimento de que, mesmo após a rescisão regular do plano coletivo, a operadora deve garantir a continuidade da assistência a usuários internados ou em tratamento, contanto que o titular continue pagando as mensalidades.
Esta tese, fixada no Tema 1.082, busca proteger a saúde e a vida de beneficiários vulneráveis, harmonizando o direito à rescisão contratual com os princípios da boa-fé e da dignidade humana.
A jurisprudência entende que a lógica do Tema 1082, que veda a interrupção de contratos de planos de saúde coletivos de usuários internados ou em tratamento médico contínuo até a alta, deve ser aplicada às pessoas com TEA, considerando a necessidade de tratamento contínuo e multidisciplinar.
Como já dito, a Lei Berenice Piana (Lei nº 12.764/2012) reconhece o autismo como uma deficiência. Isso assegura às pessoas com TEA os mesmos direitos de outras pessoas com deficiência, incluindo o acesso a serviços de saúde apropriados e contínuos. A interrupção arbitrária do tratamento prejudica o desenvolvimento já conquistado, sendo a continuidade fundamental para a qualidade de vida. A condição permanente do autismo não pode ser usada como justificativa para suspender os cuidados essenciais garantidos por esta lei.
🧩 Autismo é deficiência conforme a Lei: direitos garantidos
Além da Lei nº 12.764/2012 (Lei Berenice Piana), o caso também foi amparado por:
- Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) – Garante prioridade absoluta na saúde e desenvolvimento de crianças com deficiência.
- Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009) – Tem força constitucional no Brasil e veda qualquer forma de discriminação, inclusive a rescisão de tratamento por condição permanente.
- Código de Defesa do Consumidor (CDC) – Proíbe cláusulas que coloquem o consumidor em desvantagem exagerada. A interrupção de tratamento de TEA por rescisão é abusiva e fere a boa-fé.
- Função Social do Contrato (art. 421 do Código Civil) – Os contratos devem servir à dignidade da pessoa humana e não ao lucro a qualquer custo.
O artigo “A proteção jurídica das pessoas com TEA: uma análise do Tema 1082 do STJ e o ordenamento jurídico brasileiro”, destaca a proteção jurídica das pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) no Brasil, focando na análise do Tema 1082 do STJ que impede a interrupção de tratamentos médicos por planos de saúde.
A discussão do estudo abrange a Lei Berenice Piana, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência e o Código de Defesa do Consumidor (CDC), todos instrumentos legais que reforçam os direitos dessas pessoas.
A obra destaca aimportância da continuidade do tratamento para o desenvolvimento de indivíduos com TEA, refutando argumentos de operadoras de planos de saúde que buscam rescindir contratos.
O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei nº 8.069/1990) estabelece a prioridade absoluta para garantir a proteção e o desenvolvimento saudável de crianças e adolescentes, assegurando o direito à saúde de forma plena e ininterrupta. O artigo 11, § 2º, garante atendimento adequado a crianças e adolescentes com deficiência sem discriminação ou interrupção.
Assim, rescindir um contrato de plano de saúde que interrompa o tratamento necessário para uma criança ou adolescente com TEA viola o princípio da proteção integral do ECA.
Outrossim, a Convenção da ONU sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência (Decreto nº 6.949/2009), incorporada ao ordenamento jurídico com força de emenda constitucional, estabelece a “não discriminação” e a “inclusão plena e efetiva na sociedade” como princípios fundamentais.
O artigo 25 da Convenção assegura o acesso pleno a serviços de saúde integrais para pessoas com deficiência, incluindo tratamentos contínuos.
Logo, rescindir unilateralmente o contrato de uma pessoa com autismo sob o pretexto da continuidade prolongada e indefinida do tratamento é uma violação do artigo 25 e configura discriminação. A permanência da condição do autismo reforça a necessidade de assistência consistente e ininterrupta, em vez de justificar a interrupção.
Igualmente, o STJ entende que o Código de Defesa do Consumidor (CDC – Lei nº 8.078/1990) se aplica aos contratos de planos de saúde (Súmula 608). O artigo 51, inciso IV, do CDC considera nulas cláusulas contratuais que coloquem o consumidor em desvantagem excessiva. Uma cláusula que permita a rescisão unilateral durante tratamento médico contínuo é abusiva. Alegar que a condição permanente do autismo justifica a rescisão configura má-fé contratual, pois a operadora cria uma expectativa legítima de tratamento contínuo. Além disso, a “teoria do risco do negócio” estabelece que a operadora assume os riscos inerentes à sua atividade, incluindo o tratamento de condições permanentes como o TEA.
Outra justificativa para a manutenção, aplicada no desenvolvimento do Tema 1082, é a Função Social dos Contratos (Artigo 421 do Código Civil). A liberdade de contratar deve ser exercida com respeito à função social do contrato. Nos planos de saúde, que envolvem o direito à saúde e à vida, essa função é ainda mais relevante. Considerar o TEA como um simples ônus econômico e rescindir o contrato unilateralmente desrespeita a função social do contrato e compromete o direito à dignidade e à saúde.
📚 Jurisprudência: o TJSP está alinhado ao STJ
Diversas decisões recentes do Tribunal de Justiça de São Paulo reforçam a tese.
O STJ e outros tribunais têm proferido decisões que priorizam o bem-estar dos beneficiários com condições graves, como o autismo, garantindo a continuidade do tratamento mesmo em casos de rescisão unilateral de contratos coletivos. Essas decisões reforçam que o direito à saúde e à vida não pode ser comprometido por interesses econômicos das operadoras.
PLANO DE SAÚDE – Ação de obrigação de fazer – Tutela provisória visando à manutenção do plano de saúde firmado entre as partes – Manutenção – Paciente que é portadora de autismo – Impossibilidade de rescisão enquanto houver usuário em tratamento – Aplicação do Tema 1.082 do C. STJ – Agravo de instrumento desprovido. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 2184704-17.2023.8.26.0000 São Paulo, Relator.: Galdino Toledo Júnior, Data de Julgamento: 18/10/2023, 9ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 18/10/2023)
Este Agravo de Instrumento 2184704-17.2023.8.26.0000, cuja ementa resta acima colacionada, trata de um caso em que a Unimed cancelou o plano de saúde que atendia pessoa portadora do Transtorno do Espectro Autista (TEA), alegando que o contrato coletivo permitia a rescisão após 12 meses, com aviso prévio de 60 dias. A Justiça determinou, por meio de tutela provisória, que a Unimed mantivesse o plano de saúde de Alice, sob pena de multa diária, porque ela estava em pleno tratamento. Tal decisão baseou-se no Tema 1.082 do STJ. O TJ-SP entendeu que o STJ já decidiu que mesmo que o contrato coletivo permita a rescisão, a operadora de saúde não pode interromper o plano de alguém que está em tratamento médico essencial, como no caso deste processo, até a alta médica.
ASSIM, VÊ-SE QUE O TJ-SP APLICA O TEMA 1.082 DO STJ AOS CASOS DE TEA. A decisão cita, ainda, a função social do contrato e a dignidade da pessoa humana, ou seja, o contrato não pode ferir o direito à saúde e à vida.
Entende também o acórdão que o Autismo é uma condição que exige tratamento contínuo. Como a paciente é uma criança autista em tratamento, a interrupção do plano comprometeria sua saúde e desenvolvimento.
Logo, o recurso da Unimed foi negado por unanimidade. A empresa deve manter o plano de saúde nas mesmas condições anteriores.
Desse modo, o tratamento para o Transtorno do Espectro Autista (TEA) não pode ser interrompido, pois é uma jornada contínua, vital para manter a incolumidade física e psíquica dos pacientes.
O caráter contínuo do tratamento do TEA é fundamental, pois visa garantir o bem-estar físico e emocional dos pacientes, de modo que a interrupção do tratamento certamente conduz a piora do paciente, no tocantes as habilidades de comunicação, interação social, e autonomia funcional.
AGRAVO DE INSTRUMENTO. PLANO DE SAÚDE – RESCISÃO IMOTIVADA DE CONTRATO COLETIVO POR ADESÃO – Preliminar – Ilegitimidade ad causam da Unimed – Inocorrência – Fornecedora de serviço de assistência à saúde, ainda que a avença seja gerenciada por administradora de benefício – Mérito – Rescisão ilegítima – Beneficiários que estão em tratamento para autismo – Aplicação do Tema 1082, do Superior Tribunal de Justiça – Operadora que deve assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, mediante o pagamento integral da contraprestação – Contrato coletivo, ademais, que deve ser reconhecido como “falso coletivo” – Natureza familiar – Aplicação do quanto previsto no art. 13, parágrafo único, inciso II da lei 9.656/98 – Astreinte – Fixação legítima e montante proporcional – Decisão mantida – Agravo desprovido. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 2150357-21.2024.8.26 .0000 Osasco, Relator.: Hertha Helena de Oliveira, Data de Julgamento: 29/05/2024, 2ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 29/05/2024)
Acima, veja-se outro julgado do TJ-SP, de data recente, mês de abril de 2024, aplicando o Tema 1082 ao TEA.
No mais, a decisão ressaltou que o contrato do plano de saúde seria um “falso coletivo”. Este também é o caso dos autos.
O “falso coletivo” se refere a contratos de plano de saúde que, embora formalmente classificados como coletivos por adesão, possuem na sua essência natureza familiar.
A jurisprudência denomina certos contratos como “falso coletivo” quando, na prática, seus usuários são membros da mesma família. Em razão dessa natureza familiar subjacente, esses contratos são submetidos ao regramento aplicável às avenças individuais e familiares.
Consequentemente, em relação à rescisão contratual, aplica-se o disposto no artigo 13, parágrafo único, inciso II, da Lei nº 9.656/98, o qual permite a rescisão da avença somente em casos de fraude ou inadimplência do contratante.
Essa proteção, que a lei originalmente destinava a contratos individuais, é estendida aos “falsos coletivos” devido à sua natureza familiar.
No caso em questão, o Tribunal de Justiça de São Paulo reconheceu que os contratos da Central Nacional Unimed com os agravados eram “falsos coletivos”, o que contribuiu para a decisão de negar provimento ao recurso da Unimed e manter a decisão que impedia a rescisão unilateral do plano.
A rescisão foi considerada ilegítima não apenas pelo fato de os beneficiários estarem em tratamento para autismo (aplicação do Tema 1082 do STJ), mas também por se tratar de um “falso coletivo” com a proteção da Lei nº 9.656/98 destinada a planos individuais e familiares.
Em outro julgado também do ano passado (2024), portanto, bem recente:
Agravo de Instrumento – Plano de saúde – Inconformismo quanto a concessão de tutela de urgência para manutenção/reestabelecimento de plano de saúde do autor – Descabimento – Tema 1082 do STJ – Necessária manutenção do plano de saúde do autor, portador de TEA, que está se submetendo a tratamento médico – Decisão mantida – Agravo improvido. (TJ-SP – Agravo de Instrumento: 2151736-94.2024.8 .26.0000 Birigüi, Relator.: Carlos Castilho Aguiar França, Data de Julgamento: 03/06/2024, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 03/06/2024)
Este julgado também aplica o referido tema ao autismo. São inúmeros os julgados neste mesmo sentido:
Assim, o arcabouço jurídico brasileiro, que prioriza a proteção dos direitos das pessoas com deficiência, o direito à saúde, a dignidade da pessoa humana, a boa-fé contratual e a função social dos contratos.
Foi com base nisso que o Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar os REsps. n.ºs 1.842.751/RS e 1.846.123/SP sob a sistemática dos recursos repetitivos, editou o Tema n.º 1082, vedando a interrupção de contratos de plano de saúde coletivos onde figurem pessoas em tratamento médico contínuo, especialmente com condições graves, como o autismo. A decisão do STJ no Tema nº 1082 é uma manifestação do papel protetivo do arcabouço jurídico brasileiro, garantindo que tratamentos em andamento não sejam interrompidos de forma abrupta.
Segundo SESTELO, a interrupção de tratamentos médicos, especialmente em casos de doenças crônicas (ou condição grave, como o TEA), pode causar danos irreparáveis no paciente. (SESTELO, J. A. F. Planos e seguros de saúde do Brasil de 2000 a 2015 e a dominância financeira [tese]. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro; 2017)
Por isso, a continuidade do tratamento é uma medida de justiça e proteção à dignidade da pessoa humana, princípio fundamental da nossa Constituição.
Demais disso, embora as operadoras possam enfrentar dificuldades, é dever do Estado e da sociedade como um todo garantir que o direito à saúde seja efetivamente respeitado. Vale mencionar, ainda, que toda empresa deve assumir o risco do negócio.
📌 Falso coletivo: mais proteção, não menos
No caso concreto que eu tinha em mãos, demonstramos que o contrato era um “falso coletivo”, já que cobria mãe e filho. A jurisprudência já entende que, nesses casos, aplica-se o regramento de plano familiar ou individual, que só pode ser rescindido por inadimplemento ou fraude, nos termos do art. 13, parágrafo único, II, da Lei 9.656/98.
📎 A Resolução CONSU nº 19/1999 também obriga a oferta de plano individual sem carência
Mesmo diante da rescisão, a operadora deveria ter oferecido plano individual ou familiar ao menor, com mesmas condições assistenciais e sem carência, conforme a Resolução nº 19/1999 da ANS. Isso também foi ignorado, em mais uma afronta aos direitos do consumidor e da criança com deficiência.
A Resolução 19/99 do Conselho de Saúde Suplementar (CONSU) estabelece que planos ou seguros de assistência à saúde que administram planos coletivos empresariais devem disponibilizar a modalidade individual ou familiar a todos os beneficiários, no caso de cancelamento desse benefício, sem necessidade de novo prazo de carência.

Portanto, ainda que o contrato (“coletivo”) tenha sido rescindido, a operadora deveria ter oferecido ao menor, bem como à genitora do menor, beneficiária também do plano, a opção de contratação de um plano individual ou familiar, nas mesmas condições de cobertura e sem imposição de novas carências, conforme assegura a Resolução nº 19/1999 do CONSU, em seu artigo 3º.
O não oferecimento de plano individual ou familiar fere os princípios da boa-fé objetiva, da proteção da confiança e da função social do contrato, gerando prejuízos materiais e morais a um menor de idade com deficiência, em pleno tratamento para condição que exige continuidade. A conduta da operadora, portanto, viola o direito fundamental à saúde e afronta o ordenamento jurídico pátrio.
Como foi o julgamento do caso
O Acórdão da Apelação Cível nº 1013183-71.2024.8.26.0554 entendeu que “tratando-se de contrato coletivo por adesão, não há ilegalidade na rescisão unilateral, desde que respeitada a formalidade legal de notificação do segurado com antecedência mínima de 60 (sessenta) dias”.
Entretanto, no caso concreto, o menor era autista e estava em tratamento já fazia 3 anos, “circunstância que obsta a rescisão da avença, a teor do entendimento firmado pelo Colendo Superior Tribunal de Justiça, sob a sistemática dos recursos repetitivos (Tema 1082)”, segundo o qual:
“A operadora, mesmo após o exercício regular do direito à rescisão unilateral de plano coletivo, deverá assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta, desde que o titular arque integralmente com a contraprestação devida.”
O acórdão também confirmou que este era o entendimento da 5ª Câmara do TJSP:
DIREITO CIVIL. APELAÇÃO. PLANO DE SAÚDE. OBRIGAÇÃO DE FAZER E DANOS MORAIS. RECURSO DA AUTORA PROVIDO, RECURSOS DAS RÉS DESPROVIDOS. I. Caso em Exame Ação de obrigação de fazer cumulada com danos morais proposta por menor, visando a reativação do plano de saúde cancelado e a continuidade do tratamento médico para transtorno do espectro autista. II. Questão em Discussão A questão em discussão consiste em verificar: (i) a legitimidade passiva da administradora de benefícios; (ii) a possibilidade de rescisão unilateral do plano de saúde coletivo; (iii) o direito à indenização por danos morais devido à interrupção do tratamento médico. III. Razões de Decidir A administradora de benefícios deve permanecer no polo passivo, pois integra a negociação com a autora, conforme o art. 7º, parágrafo único, do CDC. A rescisão unilateral do plano de saúde não é admissível, pois a autora necessita de tratamento contínuo para transtorno do espectro autista, conforme o Tema 1082 do STJ. A recusa indevida de cobertura agrava a saúde do paciente, gerando abalo psicológico e dever de indenizar por danos morais. IV. Dispositivo e Tese Tese de julgamento: 1. A administradora de benefícios é parte legítima na demanda. 2. A rescisão unilateral do plano de saúde é vedada em caso de tratamento contínuo de doença grave. 3. A recusa indevida de cobertura gera direito à indenização por danos morais. Recurso da autora provido, recurso das rés improvido (Apelação Cível 1081090-67.2024.8.26.0100; Relator: James Siano; j. 2/12/2024).
Apelação. Ação de obrigação de fazer c.c. indenização por danos morais. Plano de saúde coletivo. Pretensão de afastamento de rescisão unilateral do contrato pela operadora do plano e condenação das rés por danos morais. Sentença de procedência. Recursos das requeridas. Contrato que deve ser mantido. Acervo documental que comprova que o beneficiário do plano de saúde coletivo por adesão celebrado entre as partes, está em tratamento de transtorno de espectro autista. Dever de assegurar a continuidade dos cuidados assistenciais prescritos a usuário internado ou em pleno tratamento médico garantidor de sua sobrevivência ou de sua incolumidade física, até a efetiva alta. Aplicação analógica do art. 13, III, da Lei 9656/98. Inteligência do C. Superior Tribunal de Justiça, ao ora Tema 1082, julgado em sistema de recurso repetitivo. Sentença reformada para afastar a condenação por danos morais. Controvérsia contratual que, por si só, não gera abalo à dignidade humana e afasta a indenização pretendida. Recurso provido em parte (Apelação Cível 1011117-55.2023.8.26.0554; Relator: Emerson Sumariva Júnior; j. 29/11/2024).
Ainda, entendeu o julgado que “se de fato o contrato coletivo discutido foi rescindido por distrato havido entre a parte ré (Amil e Qualicorp), restando inviável a reativação em favor apenas da parte autora, sob pena de sanções regulatórias, como afirma a ré recorrente, era ônus desta ofertar a portabilidade aos beneficiários, mostrando-se descabida a afirmação de que tal ônus é exclusivo da corré administradora de benefícios.”
Também considerou o TJSP que “não existe garantia de que, na condição atual do coautor, ainda que lhe fosse concedida a portabilidade, obteria o ingresso em outro plano de saúde, sem exigência de carência, em pleno tratamento garantidor de sua incolumidade física”. Assim, “não há dúvida de que, se o caso, a portabilidade deve ser ofertada pela própria ré recorrente, sem carência, sob pena de desrespeito à regra prevista na RN 438/2018 da ANS, considerando que possui plano individual/familiar disponível no mercado (https://amilplanos.com.br/plano-individual/), mostrando-se abusivo o cancelamento unilateral discutido.” Por isso, “a manutenção do contrato de plano de saúde coletivo por adesão é medida que se impõe ou, na impossibilidade, a oferta de contrato individual/familiar à parte autora, sem carência, nas mesmas condições de assistência e de preço do contrato cancelado”.
💡 Conclusão: o que aprendemos com esse caso
Não é só uma causa. Não é só mais um processo. É a vida de uma criança com TEA. É o desenvolvimento dela. É seu direito de viver com dignidade, de ter acesso ao cuidado que precisa, sem interrupção.
A sentença foi reformada, sim. Mas o esforço envolvido – técnico, humano e emocional – mostra que a luta pelo direito à saúde exige persistência, conhecimento e sensibilidade.
🧠✨ Fica aqui meu relato e minha contribuição para quem enfrenta ou orienta casos semelhantes.
Se você quiser ler mais sobre teses de casos de Direito da Saúde, continue acompanhando meu blog. E se você tiver dúvidas ou estiver passando por algo semelhante, estou à disposição.
📌 Renata Valera – advogada, defensora incansável dos direitos das pessoas neurodivergentes ou com deficiência.
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