Introdução

A prova pericial é um dos pilares da busca pela verdade no processo judicial, especialmente em casos que envolvem conhecimento técnico ou científico, como ocorre frequentemente na área da saúde. Saber como funciona a atuação do perito judicial, o papel dos assistentes técnicos, os prazos e os requisitos legais pode ser o diferencial em uma ação judicial bem conduzida — seja cível, trabalhista ou mesmo na esfera da responsabilidade médica.

Durante a Primeira Jornada de Enfermagem da Faculdade CTA, tive a honra de palestrar sobre a perícia judicial na saúde, abordando os aspectos éticos, legais e científicos que envolvem essa atividade tão essencial. Foi um momento marcante de diálogo entre o Direito e a Enfermagem Forense — uma área que exige não apenas domínio técnico, mas também sensibilidade, empatia e compromisso com a verdade.

Neste artigo, você encontrará uma análise completa e prática dos artigos 464 a 480 do Código de Processo Civil, que tratam da prova pericial no processo civil brasileiro. Explicaremos com detalhes cada etapa, do momento da nomeação do perito até a entrega do laudo, os critérios para impugnação, o papel do juiz e as possibilidades de nova perícia.

Se você é advogado, profissional da saúde, perito ou estudante e deseja entender como a prova pericial realmente funciona no processo judicial, este guia foi feito para você.


1. Conceito e Limites da Prova Pericial (Art. 464)

A prova pericial é um dos meios de prova mais relevantes no processo civil, especialmente quando a controvérsia exige conhecimento técnico ou científico que extrapola o saber jurídico. A Seção X do Código de Processo Civil (Lei nº 13.105/2015), artigos 464 a 480, disciplina em detalhes a atuação do perito, dos assistentes técnicos, os quesitos, o laudo, prazos, formas de impugnação e até a possibilidade de nova perícia. Neste artigo, vamos explorar ponto a ponto cada um desses dispositivos, com linguagem clara e foco na aplicação prática.

O art. 464 define a prova pericial como exame, vistoria ou avaliação técnica. Ela será indeferida quando:

  • O fato puder ser provado sem conhecimento técnico (inciso I);
  • Outras provas forem suficientes (inciso II);
  • Ou quando for impraticável a realização da perícia (inciso III).

Parágrafos 2º a 4º preveem uma prova técnica simplificada – menos custosa e mais célere – possível nos casos de menor complexidade, com apenas o depoimento de especialista. Ela pode ser feita por videoconferência, garantindo agilidade ao processo.

Art. 464. A prova pericial consiste em exame, vistoria ou avaliação.
§ 1º O juiz indeferirá a perícia quando:
I – a prova do fato não depender de conhecimento especial de técnico;
II – for desnecessária em vista de outras provas produzidas;
III – a verificação for impraticável.
§ 2º De ofício ou a requerimento das partes, o juiz poderá, em substituição à perícia, determinar a produção de prova técnica simplificada, quando o ponto controvertido for de menor complexidade.
§ 3º A prova técnica simplificada consistirá apenas na inquirição de especialista, pelo juiz, sobre ponto controvertido da causa que demande especial conhecimento científico ou técnico.
§ 4º Durante a arguição, o especialista, que deverá ter formação acadêmica específica na área objeto de seu depoimento, poderá valer-se de qualquer recurso tecnológico de transmissão de sons e imagens com o fim de esclarecer os pontos controvertidos da causa.


2. Nomeação do Perito e Deveres das Partes (Art. 465)

O juiz nomeará perito especializado e fixará prazo para o laudo. As partes têm 15 dias para:

  • Arguição de impedimento ou suspeição;
  • Indicação de assistente técnico;
  • Apresentação de quesitos.

O perito, por sua vez, tem 5 dias para apresentar proposta de honorários, currículo e contatos profissionais.

O juiz arbitrará o valor dos honorários após manifestação das partes e poderá autorizar o pagamento parcial antecipado (até 50%). Caso a perícia seja inconclusiva, pode haver redução da remuneração.

Art. 465. O juiz nomeará perito especializado no objeto da perícia e fixará de imediato o prazo para a entrega do laudo.
§ 1º Incumbe às partes, dentro de 15 (quinze) dias contados da intimação do despacho de nomeação do perito:
I – arguir o impedimento ou a suspeição do perito, se for o caso;
II – indicar assistente técnico;
III – apresentar quesitos.
§ 2º Ciente da nomeação, o perito apresentará em 5 (cinco) dias:
I – proposta de honorários;
II – currículo, com comprovação de especialização;
III – contatos profissionais, em especial o endereço eletrônico, para onde serão dirigidas as intimações pessoais.
§ 3º As partes serão intimadas da proposta de honorários para, querendo, manifestar-se no prazo comum de 5 (cinco) dias, após o que o juiz arbitrará o valor, intimando-se as partes para os fins do art. 95.
§ 4º O juiz poderá autorizar o pagamento de até cinquenta por cento dos honorários arbitrados a favor do perito no início dos trabalhos, devendo o remanescente ser pago apenas ao final, depois de entregue o laudo e prestados todos os esclarecimentos necessários.
§ 5º Quando a perícia for inconclusiva ou deficiente, o juiz poderá reduzir a remuneração inicialmente arbitrada para o trabalho.
§ 6º Quando tiver de realizar-se por carta, poder-se-á proceder à nomeação de perito e à indicação de assistentes técnicos no juízo ao qual se requisitar a perícia.


3. Compromisso, Diligência e Participação dos Assistentes Técnicos (Art. 466)

O perito não precisa firmar termo de compromisso. Já os assistentes técnicos são de confiança da parte e não estão sujeitos a impedimento ou suspeição.

O perito deve assegurar acesso dos assistentes às diligências, com aviso prévio de 5 dias.

Art. 466. O perito cumprirá escrupulosamente o encargo que lhe foi cometido, independentemente de termo de compromisso.
§ 1º Os assistentes técnicos são de confiança da parte e não estão sujeitos a impedimento ou suspeição.
§ 2º O perito deve assegurar aos assistentes das partes o acesso e o acompanhamento das diligências e dos exames que realizar, com prévia comunicação, comprovada nos autos, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias.


4. Substituição e Sanções ao Perito (Arts. 467 e 468)

O perito pode ser recusado por impedimento ou suspeição, ou substituído por:

  • Falta de conhecimento técnico;
  • Descumprimento de prazo sem justificativa.

Além disso, poderá sofrer multa e comunicação à entidade de classe e, se não devolver os valores recebidos, ficará impedido de atuar por até 5 anos.

Art. 467. O perito pode escusar-se ou ser recusado por impedimento ou suspeição.
Parágrafo único. O juiz, ao aceitar a escusa ou ao julgar procedente a impugnação, nomeará novo perito.


Art. 468. O perito pode ser substituído quando:
I – faltar-lhe conhecimento técnico ou científico;
II – sem motivo legítimo, deixar de cumprir o encargo no prazo que lhe foi assinado.
§ 1º No caso previsto no inciso II, o juiz comunicará a ocorrência à corporação profissional respectiva, podendo, ainda, impor multa ao perito, fixada tendo em vista o valor da causa e o possível prejuízo decorrente do atraso no processo.
§ 2º O perito substituído restituirá, no prazo de 15 (quinze) dias, os valores recebidos pelo trabalho não realizado, sob pena de ficar impedido de atuar como perito judicial pelo prazo de 5 (cinco) anos.
§ 3º Não ocorrendo a restituição voluntária de que trata o § 2º, a parte que tiver realizado o adiantamento dos honorários poderá promover execução contra o perito, na forma dos arts. 513 e seguintes deste Código , com fundamento na decisão que determinar a devolução do numerário.


5. Quesitos, Pareceres e Controle das Partes (Arts. 469 a 471)

Durante a diligência, as partes podem apresentar quesitos suplementares (Art. 469).

O juiz pode indeferir quesitos impertinentes (Art. 470) e formular os próprios.

A perícia deve ser realizada com antecedência divulgada e o perito e os assistentes técnicos têm prazo fixado para entregar laudo e parecer. Existe ainda a perícia consensual, feita por peritos indicados pelas partes, com o mesmo valor jurídico.

Art. 469. As partes poderão apresentar quesitos suplementares durante a diligência, que poderão ser respondidos pelo perito previamente ou na audiência de instrução e julgamento.
Parágrafo único. O escrivão dará à parte contrária ciência da juntada dos quesitos aos autos.

Art. 470. Incumbe ao juiz:
I – indeferir quesitos impertinentes;
II – formular os quesitos que entender necessários ao esclarecimento da causa.

Art. 471. § 1º As partes …. devem indicar os respectivos assistentes técnicos para acompanhar a realização da perícia, que se realizará em data e local previamente anunciados.
§ 2º O perito e os assistentes técnicos devem entregar, respectivamente, laudo e pareceres em prazo fixado pelo juiz.
§ 3º A perícia consensual substitui, para todos os efeitos, a que seria realizada por perito nomeado pelo juiz.


6. Dispensa da Perícia (Art. 472)

O juiz pode dispensar a prova pericial se os documentos e pareceres técnicos apresentados pelas partes forem suficientes para elucidar o ponto controverso.

Art. 472. O juiz poderá dispensar prova pericial quando as partes, na inicial e na contestação, apresentarem, sobre as questões de fato, pareceres técnicos ou documentos elucidativos que considerar suficientes.


7. Estrutura do Laudo Pericial (Art. 473)

O laudo pericial precisa conter:

  • Exposição do objeto;
  • Análise técnica/científica;
  • Indicação do método utilizado;
  • Respostas aos quesitos do juiz, partes e MP.

A linguagem deve ser simples, coerente e fundamentada. O perito não pode extrapolar seu objeto, nem dar opiniões pessoais fora do exame técnico.

Art. 473. O laudo pericial deverá conter:
I – a exposição do objeto da perícia;
II – a análise técnica ou científica realizada pelo perito;
III – a indicação do método utilizado, esclarecendo-o e demonstrando ser predominantemente aceito pelos especialistas da área do conhecimento da qual se originou;
IV – resposta conclusiva a todos os quesitos apresentados pelo juiz, pelas partes e pelo órgão do Ministério Público.
§ 1º No laudo, o perito deve apresentar sua fundamentação em linguagem simples e com coerência lógica, indicando como alcançou suas conclusões.
§ 2º É vedado ao perito ultrapassar os limites de sua designação, bem como emitir opiniões pessoais que excedam o exame técnico ou científico do objeto da perícia.
§ 3º Para o desempenho de sua função, o perito e os assistentes técnicos podem valer-se de todos os meios necessários, ouvindo testemunhas, obtendo informações, solicitando documentos que estejam em poder da parte, de terceiros ou em repartições públicas, bem como instruir o laudo com planilhas, mapas, plantas, desenhos, fotografias ou outros elementos necessários ao esclarecimento do objeto da perícia.

Clique aqui para ver um modelo de laudo pericial na área da saúde: Modelo de laudo pericial


8. Participação das Partes e Entrega do Laudo (Arts. 474 a 477)

O início da perícia deve ser comunicado previamente às partes (Art. 474). Em casos complexos, o juiz pode nomear mais de um perito (Art. 475).

Se o perito precisar de mais tempo, pode haver uma única prorrogação (Art. 476).

O laudo deve ser protocolado 20 dias antes da audiência (Art. 477), e as partes têm 15 dias para impugná-lo. Podem ser requeridos esclarecimentos ou a presença do perito/assistente na audiência.

Art. 474. As partes terão ciência da data e do local designados pelo juiz ou indicados pelo perito para ter início a produção da prova.


Art. 475. Tratando-se de perícia complexa que abranja mais de uma área de conhecimento especializado, o juiz poderá nomear mais de um perito, e a parte, indicar mais de um assistente técnico.


Art. 476. Se o perito, por motivo justificado, não puder apresentar o laudo dentro do prazo, o juiz poderá conceder-lhe, por uma vez, prorrogação pela metade do prazo originalmente fixado.

Art. 477. O perito protocolará o laudo em juízo, no prazo fixado pelo juiz, pelo menos 20 (vinte) dias antes da audiência de instrução e julgamento.
§ 1º As partes serão intimadas para, querendo, manifestar-se sobre o laudo do perito do juízo no prazo comum de 15 (quinze) dias, podendo o assistente técnico de cada uma das partes, em igual prazo, apresentar seu respectivo parecer.
§ 2º O perito do juízo tem o dever de, no prazo de 15 (quinze) dias, esclarecer ponto:
I – sobre o qual exista divergência ou dúvida de qualquer das partes, do juiz ou do órgão do Ministério Público;
II – divergente apresentado no parecer do assistente técnico da parte.
§ 3º Se ainda houver necessidade de esclarecimentos, a parte requererá ao juiz que mande intimar o perito ou o assistente técnico a comparecer à audiência de instrução e julgamento, formulando, desde logo, as perguntas, sob forma de quesitos.
§ 4º O perito ou o assistente técnico será intimado por meio eletrônico, com pelo menos 10 (dez) dias de antecedência da audiência.


9. Perícias Especiais: Falsidade Documental e Médico-Legal (Art. 478)

Nos casos de exames de autenticidade ou natureza médico-legal, o perito deve ser preferencialmente de estabelecimento oficial. Havendo gratuidade de justiça, há prioridade na execução e o juiz pode autorizar remessa dos autos e material.

Art. 478. Quando o exame tiver por objeto a autenticidade ou a falsidade de documento ou for de natureza médico-legal, o perito será escolhido, de preferência, entre os técnicos dos estabelecimentos oficiais especializados, a cujos diretores o juiz autorizará a remessa dos autos, bem como do material sujeito a exame.
§ 1º Nas hipóteses de gratuidade de justiça, os órgãos e as repartições oficiais deverão cumprir a determinação judicial com preferência, no prazo estabelecido.
§ 2º A prorrogação do prazo referido no § 1º pode ser requerida motivadamente.
§ 3º Quando o exame tiver por objeto a autenticidade da letra e da firma, o perito poderá requisitar, para efeito de comparação, documentos existentes em repartições públicas e, na falta destes, poderá requerer ao juiz que a pessoa a quem se atribuir a autoria do documento lance em folha de papel, por cópia ou sob ditado, dizeres diferentes, para fins de comparação.


10. Valoração e Nova Perícia (Arts. 479 e 480)

O juiz não está vinculado ao laudo. Deve fundamentar na sentença os motivos pelos quais acata ou rejeita suas conclusões (Art. 479).

Se a perícia for insuficiente, pode haver uma nova perícia (Art. 480). A segunda perícia não anula a primeira – o juiz poderá valorar ambas, comparativamente.

Art. 479. O juiz apreciará a prova pericial de acordo com o disposto no art. 371 , indicando na sentença os motivos que o levaram a considerar ou a deixar de considerar as conclusões do laudo, levando em conta o método utilizado pelo perito.

Art. 480. O juiz determinará, de ofício ou a requerimento da parte, a realização de nova perícia quando a matéria não estiver suficientemente esclarecida.
§ 1º A segunda perícia tem por objeto os mesmos fatos sobre os quais recaiu a primeira e destina-se a corrigir eventual omissão ou inexatidão dos resultados a que esta conduziu.
§ 2º A segunda perícia rege-se pelas disposições estabelecidas para a primeira.
§ 3º A segunda perícia não substitui a primeira, cabendo ao juiz apreciar o valor de uma e de outra.


Conclusão

A perícia judicial é peça fundamental no esclarecimento técnico dos fatos em juízo. O CPC de 2015 reforça a transparência, celeridade e rigor metodológico na sua condução. Saber como se estrutura esse procedimento – desde a nomeação do perito até a valoração pelo juiz – é essencial para advogados, partes e profissionais da saúde, contabilidade, engenharia, entre outros que atuam como peritos ou assistentes técnicos.


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