Uma análise jurídico-tributária da Inconfidência Mineira à luz da Regra-Matriz de Incidência Tributária e dos princípios constitucionais contemporâneos
Introdução:
No dia 21 de abril, o Brasil celebra Tiradentes, mártir da Inconfidência Mineira. Muito além de um símbolo da luta pela independência, Tiradentes representa também a resistência a um sistema tributário opressor.
Como estudante de Direito Tributário, vejo neste episódio histórico mais do que uma memória: vejo um alerta sobre o impacto que uma tributação desproporcional pode causar numa sociedade.
Neste escrito, proponho um olhar tributário sobre a Inconfidência Mineira – e refletir sobre o quanto ainda carregamos resquícios daquele sistema injusto.
I. O estopim da revolta: o peso da tributação colonial
Resolvi escrever hoje sobre esse assunto pela conexão existente entre a razão deste feriado e meus objetos de estudo, pois o movimento de 1789 foi, em sua essência, uma revolta contra a carga tributária abusiva imposta pela Coroa portuguesa.
Na época do Brasil Colonial, como sabemos, houve o período do Ciclo do Ouro, que consistiu na exploração de ouro na região de Minas Gerais (principalmente), no Século XVIII. A extração de ouro neste momento histórico trouxe diversas transformações sociais, políticas e econômicas. Com isso, Portugal cobrou diversos impostos. O Quinto era o principal deles, determinando que um quinto (20%) de todo o ouro extraído seria da Coroa Portuguesa[1]. Dentre outros mecanismos de arrecadação, existia também a Finta (uma quantia fixa estipulada anualmente que a capitania deveria entregar à Coroa, independentemente da real produção de ouro)[2].
Porém, o esgotamento do ouro causou declínio da mineração, tornando difícil atingir a quota estabelecida na Finta. Mesmo com o final da abundância, Portugal manteve as metas de arrecadação. Logo, o fato gerador do imposto (exploração mineral) não condizia mais com a realidade econômica, mas a tributação era mantida à força.
Tendo em vista a impossibilidade de entregar a mesma quantidade de ouro outrora estipulada, a Coroa aplicou a Derrama.
A derrama era um ato de cobrança autoritária, à revelia da capacidade contributiva e da realidade econômica dos contribuintes. Em outras palavras, era a negação de princípios que hoje estão inscritos em nossa Constituição, já que consistia num confisco de bens, dinheiro e ouro dos habitantes, forçando que se completasse a meta fiscal insustentável.
Era realizada de forma violenta (com invasões de casas e prisões), recaindo sobre todos, e não apenas de quem extraía ouro.
Conforme Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, havia um caráter simbólico e traumático na ideia de derrama que indica que a tributação no Brasil colonial não era apenas um instrumento arrecadatório, mas uma ferramenta de controle violento e intimidação coletiva[3]:
“(…) O simples enunciado da palavra derrama evoca imagens de terror e perseguição fiscal, associadas à Inconfidência de Minas Gerais em 1789. A precipitação da conspiração anticolonial, ao aparecer associada aos excessos tributários do lançamento da derrama, serve como verdadeiro catalisador de um longo e persistente quadro de resistências e protestos antifiscais.
A formação do Antigo Sistema Colonial, em sua componente fiscalista, produziu toda a sorte de constrangimentos aos moradores da América que, reconhecendo-se como súditos, resistiram às injustiças provocadas pelos excessos da política tributária. Não raro tais resistências alcançaram a forma violenta das insurreições, como as revoltas de 1660 no Rio de Janeiro – quando a cidade fica seis meses controlada pela elite rebelde –, a de 1710/11 em Salvador – contra as taxas do tráfico negreiro e monopólio do sal –, e as de 1720 e 1736 em Minas Gerais, quando se recusou a forma de cobrança do quinto do ouro.
Assim, muito antes da grave crise política em fins do século XVIII, quando a derrama aparece quase sempre em destaque, o espectro das resistências antifiscais poderia ser alargado sob a política ostensiva de restrições e exigências financeiras que sustentavam o pacto colonial. (…)”
Assim, isso causou sentimento de revolta porque a derrama era vista como um abuso extremo, pois punia até quem não tinha condições de pagar, era executada por confisco (inclusive com violência e humilhação pública), gerava insegurança econômica e social (pois ninguém sabia com exatidão se e quando a medida seria aplicada, havendo o temor constante de que a Coroa decidisse aplicá-la a qualquer momento).
Em suma, o quinto era o imposto regular de 20% sobre o ouro; a finta era a meta anual de arrecadação em ouro (usando o quinto ou não); e a derrama não era um imposto, era a medida de força (confisco) usada quando a finta não era atingida[4].
Se fôssemos montar a regra matriz de incidência tributária desses dois impostos (quinto e finta), diríamos que os sujeitos passivos do quinto poderiam ser aqueles que eram os senhores da extração de ouro, enquanto os da finta eram toda a população, até mesmo as pessoas pobres que não atuavam diretamente com o extrativismo.
Esse clima de opressão e incerteza foi crucial para motivar os inconfidentes a planejarem a revolta[5]. Com base no já citado Luciano Raposo de Almeida Figueiredo, é possível entender essa “crise”, na verdade, como a culminância de um processo histórico de opressão fiscal prolongada, que alimentava o sentimento de injustiça tributária.
Nos próximos trechos desse escrito, pretendo lançar um olhar inicial sobre um sistema tributário colonial que não era apenas tecnicamente injusto, mas também como opressor, violento e desumano. A derrama se tornou o símbolo máximo desse abuso, mas a(s) revolta(s) era(m) contra todo um modelo de exploração fiscal, baseado na ideia de que o colono servia à Coroa sem qualquer garantia de retorno, justiça ou legalidade.
II. Os tributos do ciclo do ouro e a negação da Regra-Matriz de Incidência Tributária[6]
Criada pelo jurista Paulo de Barros Carvalho, a Regra-Matriz de Incidência Tributária (RMIT) consiste numa estrutura lógica da norma jurídica tributária em sentido estrito – ou seja, a norma que define a incidência fiscal. Essa estrutura serve para identificar quando nasce a obrigação tributária e quem deve cumpri-la.
De acordo com Aurora Tomazini de Carvalho, o preenchimento dos elementos da RMIT “possibilita-nos construir com segurança qualquer norma jurídica padrão de incidência” e “a falta de um desses critérios demonstra imprecisão da mensagem legislada e, consequentemente, certo comprometimento na regulação almejada pelo legislador”[7]. Logo, pode haver prejuízo relacionado à correta aplicabilidade ou finalidade da norma, não havendo a total segurança e coerência nosistema jurídico. Por exemplo, se a lei diz que um tributo será cobrado, mas não define exatamente o sujeito passivo, ou não indica o fato gerador com clareza, isso prejudica a legalidade e a segurança jurídica. O contribuinte fica sem saber quando, quanto ou por que está sendo tributado – situação que não apenas fere princípios de ética e boa governança, mas representa uma violação direta aos fundamentos estruturantes do atual sistema tributário brasileiro, como a legalidade, a segurança jurídica e a transparência.
Ela é formada por duas partes: Antecedente e Consequente.
- Antecedente: Também chamado “hipótese”, “antecedente normativo” ou “descritor”, é a parte condicional da norma – o “se…” da condição “se… então”. Refere-se ao fato jurídico tributário, que ainda não aconteceu, mas que, uma vez ocorrido, faz surgir o dever de pagar o tributo. Conforme Paulo de Barros Carvalho: “Na hipótese (descritor), haveremos de encontrar um critério material (comportamento de uma pessoa), condicionado no tempo (critério temporal) e no espaço (critério espacial).”[8]
- Consequente: Também chamado “prescritor”, é a parte imperativa da norma – o “então…” da condição “se… então”. Estabelece o dever jurídico do sujeito passivo (quem paga) e o direito subjetivo do sujeito ativo (quem cobra – o Fisco). Nas palavras de Paulo de Barros Carvalho: “na consequência (prescritor), depararemos com um critério pessoal (sujeito ativo e sujeito passivo) e um critério quantitativo (base de cálculo e alíquota).”[9]
A junção de Antecedente e Consequente fornece-nos a possibilidade de exibir o “núcleo lógico-estrutural da norma-padrão de incidência tributária”[10].
Quanto Paulo de Barros Carvalho afirma que antecedente e consequente são elementos integrantes da condição, ele parte da premissa de que a norma jurídica tributária (como toda norma jurídica) tem a estrutura de um “juízo condicional”(forma de uma proposição “se …, então”), de modo que se entende que dela se extrai o raciocínio de que “SE ocorrer certa situação, ENTÃO nasce uma obrigação.”
Como a lógica condicional trata de uma situação futura, ela pode ocorrer ou não, motivo pelo qual Paulo de Barros Carvalho também repousa no pressuposto de que a norma jurídica é também um “juízo hipotético” (pois a norma é uma proposição que não afirma que algo aconteceu, mas sim que, SE acontecer, haverá uma consequência jurídica).
Ademais, Paulo de Barros Carvalho também afirma que a relação entre os dois polos da norma (hipótese e consequência), em que se imputa um dever jurídico a alguém caso ocorra determinado fato, é uma “imputação deôntica”. O termo “deôntico” vem da lógica deôntica, um ramo da lógica que lida com normas, obrigações, permissões e proibições.
Deste modo, no Direito Tributário, a imputação deôntica do juízo condicional (hipotético) indica que, quando o fato gerador ocorrer, a consequência será a imposição de um dever: pagar tributo.
Se eu fosse pensar na RMIT dos dois impostos coloniais do ciclo do ouro (finta e derrama), creio que seria da seguinte forma:
QUINTO:
Como já dito antes, o quinto exigia que 20% de todo o ouro extraído fosse entregue à Coroa Portuguesa. Era uma exação direta sobre a produção, com fiscalização nas Casas de Fundição.
- Antecedente:
- Critério material (o comportamento que se tributa): extração de ouro
- Critério espacial (o local onde o fato ocorre): Minas Gerais – nos locais onde se extraía ouro na época (Obs: sei que o ciclo do ouro também envolveu Goiás e Mato Grosso, mas para saber se o Quinto se aplicava também a estes locais, seria necessário ler o ato normativo da época que estabeleceu o imposto)
- Critério temporal (o momento em que o fato ocorre): o momento em que o ouro era extraído (o dia da extração, talvez?) – Obs: normalmente a extração de ouro era contínua ou periódica.
- Consequente:
- Critério pessoal:
- Sujeito ativo: Coroa Portuguesa
- Sujeito passivo: Senhores que detinham a extração (elites coloniais / titulares da produção aurífera)
- Critério prestacional:
- Base de cálculo: Valor do ouro
- Alíquota: 20% (1/5 do ouro extraído)
FINTA:
Por tudo que pesquisei sobre a finta, percebi que se tratava de um imposto fixo, estabelecido pela Coroa Portuguesa, que determinava uma “quantia global” em ouro a ser paga anualmente pela capitania de Minas Gerais[11], independentemente da quantidade efetiva de ouro extraída naquele ano (como se fosse uma “meta”). Surgiu como forma de garantir à Portugal um valor fixo de arrecadação anual, independentemente da quantidade de ouro realmente extraída.
- Antecedente:
- Critério material (o comportamento que se tributa): Ao que parece, teria que ser um imposto sobre a produção, sobre a extração de ouro, mas ocorria a fixação pela Coroa de uma quota anual de arrecadação obrigatória, aplicada coletivamente aos moradores da região
- Critério espacial (o local onde o fato ocorre): Minas Gerais (com a mesma observação feita acima na RMIT do Quinto)
- Critério temporal (o momento em que o fato ocorre): ao contrário do quinto, que talvez tenha como critério temporal o momento em que o ouro era extraído, a finta era cobrada anualmente, pois a meta era verificada na periodicidade anual
- Consequente:
- Critério pessoal:
- Sujeito ativo: Coroa Portuguesa
- Sujeito passivo: Não era apenas os Senhores que detinham a extração (elites coloniais), como no quinto, mas sim toda a população da região (do critério espacial)
- Critério prestacional: Pagamento proporcional ou solidário da quota estipulada de ouro (não daria para estabelecer exatamente alíquota e base de cálculo).
A finta é uma exação por estimativa arbitrada como meta de arrecadação global, baseada em imposição política, e não dependia diretamente do fato gerador de verdade.
O critério material é menos preciso: não se trata de um evento físico como a extração, mas de uma ordem de arrecadação geral. Também são imprecisos outros critérios, como o prestacional. Assim, não é possível, em termos técnico-tributários modernos, identificar base de cálculo e alíquota na finta, porque ela não era um imposto proporcional, mas sim um tributo por estimativa arbitrada em valor absoluto. A base de cálculo é a grandeza econômica sobre a qual incide o tributo (ex: valor da renda, preço da mercadoria, valor do bem). Já a alíquota é o percentual ou valor fixo aplicado sobre a base de cálculo para se obter o valor a pagar. No caso da finta, tratava-se de uma imposição fixa e coletiva (a Coroa determinava que a capitania deveria entregar, por exemplo, 100 arrobas de ouro por ano, independentemente de quanto ouro fosse extraído), de modo que não havia uma grandeza individual ou econômica mensurável por contribuinte. Assim, não existia uma alíquota aplicável sobre base alguma.
Outrossim, não respeitava princípios como legalidade, capacidade contributiva e individualização do sujeito passivo — violando o que hoje seriam garantias constitucionais.
Portanto, a finta, ao contrário do quinto, configura uma exação incompatível com a estrutura lógico-formal da regra-matriz de incidência tributária nos moldes contemporâneos. Trata-se de uma obrigação tributária imposta por estimativa autoritária, sem a presença dos elementos essenciais da base de cálculo e da alíquota. A consequência é um modelo fiscal altamente regressivo, desprovido de proporcionalidade e incapaz de refletir qualquer ideia de justiça tributária.
Mesmo o quinto, que à primeira vista parece mais “técnico” por ser um tributo proporcional à extração de ouro (20%), e que parece não ter problemas se analisado à luz da teoria moderna da regra-matriz de incidência tributária, nos moldes de Paulo de Barros Carvalho, se analisado sob o prisma dos princípios constitucionais da atualidade brasileira, verifica-se não ser adequado.
Assim, ainda que o quinto apresente maior aderência à estrutura formal da norma tributária moderna, ele também merece críticas quando confrontado com os princípios constitucionais atuais, como veremos a seguir.
III. Princípios constitucionais que a história ensinou tarde demais
Como era esperado, por ser natural do momento histórico, a análise da tributação no Brasil colonial durante o ciclo do ouro revelou um ambiente jurídico tributário marcado pelo arbítrio e pela completa subordinação do contribuinte (colonial) ao poder absoluto da Coroa portuguesa.
A cobrança do quinto, da finta e a execução brutal da derrama mostram como a ausência de freios constitucionais permitiu um sistema injusto e autoritário, baseado em metas fiscais e punições — e não na justiça fiscal.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988 o ordenamento jurídico brasileiro passou a assegurar princípios fundamentais de justiça tributária, muitos dos quais poderiam ter evitado os abusos que motivaram a Inconfidência Mineira.
1. Princípio da legalidade tributária (art. 150, I, CF/88)
“É vedado (…) exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça.”
Durante o período colonial, não havia lei em sentido estrito aprovada por qualquer tipo de representação popular que autorizasse tributos como a finta ou a quinta. As cobranças se davam por ordens régias e atos administrativos unilaterais, sem legitimidade democrática.
A legalidade, hoje, protege o contribuinte da criação arbitrária de tributos, exigindo um processo legislativo regular e transparente.
2. Princípio da capacidade contributiva (art. 145, §1º, CF/88)
“Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte (…)”
A finta e a quinta não consideravam a real capacidade econômica dos contribuintes. A cobrança era imposta de forma igualitária, mesmo a quem nada devia ou nada possuía.
De acordo com GASPAR[12]:
“(…) Para Luciano Figueiredo, o alvará de 1750 simbolizava uma nova orientação fiscal da Coroa portuguesa para com a capitania de Minas, marcada pela ótica ilustrada do período pombalino. Tal caráter ilustrado justificar-se-ia, segundo o autor, por alguns novos elementos implícitos na metodologia da arrecadação. Um deles ligava-se ao fato de o alvará não fazer distinções sociais entre os contribuintes (isto é, pretendia recair de forma equitativa sobre nobres, clérigos e plebeus) e, com isto, dividir igualmente, entre os habitantes, o ônus da mineração – englobando também, no caso da composição socioeconômica de Minas Gerais, mineradores e demais grupos sociais. (…)”
Hoje, o sistema tributário deve respeitar a ideia de justiça fiscal, tributando mais quem pode mais e preservando os que têm menos recursos.
3. Vedação ao confisco (art. 150, IV, CF/88)
“É vedado (…) utilizar tributo com efeito de confisco.”
O conceito de confisco refere-se à prática de expropriação do patrimônio do contribuinte por meio de tributos ou multas excessivas, que ultrapassam os limites da razoabilidade e proporcionalidade. O princípio da vedação ao confisco busca proteger o patrimônio dos contribuintes contra abusos fiscais, assegurando que a carga tributária seja justa e proporcional à capacidade econômica dos indivíduos e empresas.
Portanto, a lei atual garante que a tributação não seja excessiva a ponto de expropriar o patrimônio do contribuinte, limitando até mesmo as multas.
A derrama, em especial, foi uma expressão máxima de tributação confiscatória. Casas eram invadidas, bens eram tomados, e não havia limites para o quanto poderia ser exigido. O Estado colonial tomava o que fosse necessário até atingir sua meta, destruindo o patrimônio de muitos.
Esse princípio constitucional de hoje impõe um limite material à tributação: o tributo não pode arruinar o contribuinte.
4. Segurança jurídica, devido processo legal e direito ao contraditório (arts. 5º, II, LIV e LV, CF/88)
No período colonial, não havia processo tributário. As exigências eram feitas de forma sumária, sem defesa, e muitas vezes acompanhadas de violência e intimidação. Não havia previsibilidade, nem possibilidade de contestação.
Hoje, a Constituição assegura ao contribuinte transparência, previsibilidade e direito à ampla defesa, inclusive em execuções fiscais e processos administrativos tributários.
5. Tributo não pode ser punição
Existe um princípio implícito no Direito Tributário brasileiro (e reconhecido pela doutrina e jurisprudência) que determina que o tributo não pode ter natureza ou função punitiva.
Embora não esteja expresso com essas palavras na Constituição, essa ideia é extraída da combinação de princípios constitucionais e da própria natureza jurídica do tributo, conforme definida pelo art. 3º do Código Tributário Nacional (CTN):
“Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que NÃO CONSTITUA SANÇÃO DE ATO ILÍCITO, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada.”
Esse trecho consagra a regra de que o tributo não pode ser usado como forma de punição. Ele deve ter finalidade arrecadatória, e não retributiva ou sancionatória por ato ilícito.
Os juristas da atualidade defendem que o tributo pressupõe a licitude da conduta tributada. Quando a exigência decorre de ato ilícito, estamos diante de multa tributária ou penalidade, e não de um tributo.
Aplicando ao contexto histórico, a derrama, embora apresentada como mecanismo de cobrança de tributo (a finta), se convertia, na prática, em uma punição coletiva. As pessoas eram obrigadas a entregar bens mesmo sem dever nada, com caráter de repressão e intimidação, típico de sanção — não de tributo legítimo. Isso violaria o art. 3º do CTN, bem como os princípios da legalidade, proporcionalidade, razoabilidade e finalidade tributária.
6. Salvaguardas contra os erros do passado
Os princípios constitucionais do sistema tributário moderno são, em grande medida, respostas históricas aos abusos cometidos no passado, inclusive àqueles que motivaram revoltas como a Inconfidência Mineira.
Infelizmente, a lição chegou tarde demais para Tiradentes, mas permanece viva para lembrar que a justiça tributária é uma conquista civilizatória e constitucional, que deve ser constantemente protegida.
IV. A fundamentação jurídica do quinto e a lógica patrimonial da monarquia
Embora eu tenha considerado o Quinto e a Finta como tributos para esta análise, convém destacar que o pagamento do quinto do ouro extraído não se enquadrava tecnicamente como tributo, ao menos sob a ótica moderna de Direito Público.
Como explica Tarcísio de Souza Gaspar, citando Antônio Manuel Hespanha, o quinto era, antes, uma retribuição pelo uso daquilo que se entendia como propriedade privada da monarquia portuguesa. No regime português, as jazidas minerais eram consideradas domínio direto da Coroa, e os mineradores atuavam como arrendatários da Fazenda Real. O pagamento do quinto era, portanto, o exercício de um direito privado do rei sobre sua propriedade, e não uma exação pública destinada à manutenção da res publica.
“Juridicamente, o quinto do ouro não deve ser entendido como tributo. Ao trabalhar materiais depositados no, ou oriundos do subsolo, a mineração usufruía de domínio doméstico da monarquia e constituía, neste sentido, atividade arrendatária da Fazenda Real, conformando, portanto, propriedade particular da casa de el-rei. O pagamento de parcelas da extração formava o conteúdo de direitos devidos ao rei, pelo usufruto das terras sob seu domínio. Portanto, o quinto do ouro diferenciava-se, quanto à fundamentação jurídica, das práticas fiscais propriamente ditas, ligadas estas à manutenção da res publica. Veja-se: HESPANHA, Antônio Manuel. Depois do Leviathan. Almanack braziliense, n. 5, maio\2007. p. 55-62.”[13]
Essa distinção é importante para compreender por que as formas de arrecadação do período colonial não apenas violavam os princípios do Direito Tributário moderno — mas sequer se enquadravam propriamente nele. A lógica da tributação era feudal, patrimonial e centrada na figura do soberano, não na organização institucional do Estado como conhecemos hoje.
V. Lições para hoje: o fantasma do excesso tributário continua?
Mais de dois séculos se passaram desde a execução de Tiradentes e o eco da Inconfidência Mineira ainda ressoa em nosso sistema fiscal. Ainda vivemos sob um sistema em que o cidadão muitas vezes paga muito e entende pouco. A revolta de 1789, ainda que distante, nos desafia a pensar em um sistema mais justo, transparente e proporcional.
Embora tenhamos hoje uma Constituição garantidora de direitos, com princípios estruturantes da justiça tributária, o sentimento de opressão tributária persiste — agora não mais sob a forma de confiscos violentos, mas de um sistema que, apesar de legal, permanece desequilibrado, complexo e socialmente injusto.
O Brasil figura entre os países com maior carga tributária sobre o consumo do mundo[14]. Se ricos e pobres pagam os mesmos preços, existe um impacto muito grande sobre as camadas populares, violando, na prática, o princípio da capacidade contributiva. O sistema brasileiro é regressivo, pois tributa mais quem tem menos.
Como a predominância da tributação é sobre o consumo no sistema tributário brasileiro, isso pode impactar de forma mais significativa as camadas de menor renda da população. Observe que, se os tributos sobre consumo (como ICMS, IPI, PIS, Cofins) incidem no preço final de produtos e serviços, então sua incidência e valor independentemente da renda de quem consome. Se uma pessoa rica e uma pessoa pobre compram o mesmo pacote de arroz e ambas pagam o mesmo valor de tributo embutido no preço, então para a pessoa pobre, esse valor representa uma fração muito maior da sua renda total. Desta forma, quem ganha menos consome proporcionalmente mais da própria renda.
Com isso, as pessoas de baixa renda usam quase toda sua renda mensal em consumo imediato (alimentos, transporte, energia, produtos básicos), de modo que não conseguem poupar.
Já as pessoas de alta renda consomem uma proporção menor da própria renda, tendo mais capacidade de poupança e investimento, que, no Brasil, são menos tributados ou isentos (por exemplo, sobre poupança, LCA e LCI até determinados valores não recai imposto de renda[15]).
O resultado disso, portanto, é claro: os tributos sobre o consumo acabam sendo o que chamamos de “regressivos” (ou seja, pesam proporcionalmente mais sobre quem tem menos renda), pois todos pagam o mesmo em termos absolutos, mas o impacto relativo sobre a renda é maior para quem tem menos. Isso porque a regressividade não depende só do valor absoluto do imposto, mas de quanto ele representa dentro da renda de quem paga.
Isso, certamente, agrava as desigualdades sociais, sendo necessário que essas distorções sejam corrigidas para que tenhamos um sistema mais justo.
Além disso, vivemos sob um modelo de extrema complexidade normativa, com múltiplos entes federativos, regras dispersas, bitributação e insegurança jurídica, que tornam a compreensão dos tributos uma tarefa quase inatingível para o cidadão comum — e até mesmo para empresas e especialistas.
Para agravar, há uma baixa percepção social sobre o retorno dos tributos pagos. Saúde, educação, transporte, segurança e infraestrutura, que deveriam ser contrapartidas claras da arrecadação[16], muitas vezes não refletem o volume arrecadado. Isso gera um ciclo de desconfiança e distanciamento entre contribuinte e Estado, o que enfraquece a cidadania fiscal e estimula a informalidade e a sonegação.
Como já mencionado anteriormente, mais de dois séculos depois, ainda vivemos sob um sistema em que o cidadão muitas vezes paga muito e entende pouco.
A revolta de 1789, ainda que distante no tempo, nos convida a refletir sobre o presente. O grito silencioso que ecoava nos becos de Vila Rica ainda encontra ressonância nos corredores da Receita Federal, nos guichês de pagamento, nos boletos acumulados no fim do mês.
Atualmente, a carga tributária bruta do Brasil atingiu 32,32% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2024, conforme dados divulgados pelo Tesouro Nacional. Esse é o maior patamar registrado desde o início da série histórica em 2010, representando um aumento de 2,06 pontos percentuais em relação a 2023[17].
Tiradentes foi executado em meio a uma carga tributária que girava em torno de 20%. Hoje, vivemos sob uma carga ainda mais elevada, o que convida à reflexão sobre o quanto, de fato, evoluímos no campo da justiça fiscal. Talvez o trauma da Coroa portuguesa tenha realmente marcado o povo brasileiro, de modo a gerar uma grande passividade diante dos altos valores que paga para sobreviver.
A verdadeira justiça fiscal não se resume ao cumprimento da legalidade. Ela exige clareza, proporcionalidade, equidade e retorno efetivo. E, acima de tudo, exige um compromisso constitucional com a dignidade do contribuinte — para que o tributo não volte a ser, como foi outrora, uma forma de opressão disfarçada.
Conclusão:
A Inconfidência Mineira não foi meramente um movimento separatista[18]. Foi um grito contra a opressão fiscal. E se os inconfidentes foram silenciados pelo enforcamento de Tiradentes e pelas demais punições que sofreram, sua luta sobrevive hoje nos debates que fazemos sobre justiça tributária, reforma fiscal e cidadania.
Que o 21 de abril nos inspire não apenas a lembrar o passado, mas a lutar por um sistema tributário mais justo e equilibrado.
Referências bibliográficas:
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UOL. Carnes vão ficar mais baratas após reforma tributária? Entenda. Disponível em: https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2024/08/28/carnes-vao-ficar-mais-baratas-apos-reforma-tributaria-entenda.htm. Acesso em: 21 abr. 2025.
[1] Embora o quinto e a finta sejam tratados neste texto como formas de exação para fins de análise didático-tributária, cumpre destacar que, sob uma leitura estritamente técnica e contemporânea, o quinto não se enquadraria como tributo, conforme explica Friedrich Renger: “O quinto é uma instituição tributária antiga, muito anterior à descoberta do ouro nas futuras Minas Gerais, e tem suas origens no direito feudal ibérico, incidindo sobre coisas diversas, tais como a produção mineral ou agrícola, e sobre despojos de guerra dos súditos do rei, entre outros. Quinto não é um imposto, nem contribuição ou tributo: na realidade, trata-se do pagamento de um direito (como existe até hoje na forma das royalties).” (RENGER, Friedrich. O quinto do ouro no regime tributário nas Minas Gerais. Revista do Arquivo Público Mineiro, ano XLII, p. 90-105, jul./dez. 2006. Disponível em: http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/O_quinto_do_ouro_no_regime_tributario_nas_Minas_Gerais.PDF. Acesso em: 21/04/2025).
[2] Segundo Tarcísio de Souza Gaspar: “(…) O sistema de arrecadação envolvido no lançamento da derrama estava regulamentado pelo Alvará Régio de 3 de dezembro de 1750. Desde então, um método fiscal por estimativa impunha o envio anual de cem arrobas de ouro para Portugal, como forma de pagamento dos direitos reais sobre o quinto da extração aurífera. O negócio assentava-se numa espécie de contrato de risco, através do qual os moradores da região assumiam, por meio de suas câmaras municipais, a responsabilidade de remeter ao fisco lusitano a quantia estipulada. O método, como se sabe, não tardou a produzir grandes somas em dívidas cumulativas, que se viam aumentar a cada ano, com a queda da produção aurífera de Minas Gerais, a partir da segunda metade do século XVIII. No entanto, o contrato previra as complicações. De fato, delegava-se às câmaras a competência de, uma vez insuficiente o valor aurífero arrecadado, isto é, sendo ele inferior a cem arrobas de ouro, completar o volume previsto através de cobrança suplementar, “a famigerada derrama”. (…)” (GASPAR, T. DE S.. Derrama, boatos e historiografia: o problema da revolta popular na Inconfidência Mineira. Topoi (Rio de Janeiro), v. 11, n. 21, p. 51–73, jul. 2010, https://doi.org/10.1590/2237-101X011021004)
[3] http://www.siaapm.cultura.mg.gov.br/acervo/rapm_pdf/Derrama_e_politica_fiscal_ilustrada.PDF
[4] O sistema colonial português tinha nessa forma de “tributação” uma relação de submissão, não de cidadania fiscal.
[5] Conforme bem explicitado por Luciano Raposo de Almeida Figueiredo anteriormente, a derrama foi um gatilho simbólico e político que precipitou a Inconfidência Mineira, mas, consoante também destaca o autor, a revolta foi apenas o ápice de um processo muito mais longo de resistências antifiscais. O povo já vinha, há décadas, resistindo aos excessos e abusos do sistema tributário colonial. Já não somos mais Brasil Colônia, mas ainda é válido questionar: persistem, em nosso sistema tributário atual, práticas que desafiam os princípios da justiça fiscal? Nosso sistema tributário atual superou, de fato, os excessos e as distorções do passado? Poderíamos estar diante de novos excessos, com outras roupagens?
[6] Por certo, para se saber exatamente esses fatores, seria preciso fazer a leitura do ato legal que instituiu o tributo e o regulamentava. Foi possível verificar que era o Regimento das Intendências e Casas de Fundição, promulgado a 4 de Março de 1751, que regulava a extração, fundição e fiscalização do ouro nas minas brasileiras, assim como a cobrança do Quinto. Porém, não tive acesso a este documento para fazer sua análise atenta. Então, estabeleci os elementos da RMIT a partir da leitura sobre esses impostos no que se encontra pela internet, até porque este escrito não pretende ser um estudo aprofundado do tema, mas apenas uma reflexão inicial. Ademais, é sempre bom lembrar que a RMIT é uma ideia contemporânea, e a análise mais adequada de um cenário histórico deve ser feita de forma temporalmente localizada. Todavia, apenas para efeitos desta análise hipotética, elaborei o pensamento com esta aplicação, sem levar consideração o mais elevado grau de rigor técnico. Sobre as Intendências do ouro, ler:https://mapa.an.gov.br/index.php/assuntos/15-dicionario/57-dicionario-da-administracao-publica-brasileira-do-periodo-colonial/214-intendencias-do-ouro
[7] CARVALHO, Aurora Tomazini de. Teoria geral do direito: o constructivismo lógico-semântico. 2009. Tese (Doutorado em Filosofia do Direito) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2009, p. 285.
[8] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 31. ed. São Paulo: Noeses, 2021, p. 265.
[9] Idem, Ibidem.
[10] Idem, Ibidem.
[11] Talvez englobasse também os outros territórios coloniais de extração, como Mato Grosso e Goiás, mas para saber exatamente eu teria que ler o ato normativo que instituiu a Finta.
[12] Op. Cit., p. 52.
[13] Op. Cit., p. 69.
[14] https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2024/08/28/carnes-vao-ficar-mais-baratas-apos-reforma-tributaria-entenda.htm / https://www.otempo.com.br/economia/2024/12/26/carga-tributaria-no-brasil-e-a-maior-entre-26-paises-da-america-latina
[15] https://www.gov.br/investidor/pt-br/investir/tipos-de-investimentos/titulos-bancarios/letra-de-credito-imobiliario-lci-e-letra-de-credito-do-agronegocio-lca e https://einvestidor.estadao.com.br/educacao-financeira/ir-2025-valor-maximo-poupanca-para-imposto/
[16] A função do Estado é satisfazer as necessidades públicas, garantindo a realização dos direitos fundamentais e é para isso que se desenvolve toda a sua atividade financeira. Há, portanto, uma instrumentalidade na atividade financeira. O Estado não arrecada para enriquecer. A arrecadação e os gastos são meios para atingir objetivos públicos: saúde, educação, segurança, infraestrutura etc. Não é atividade-fim, mas atividade-meio. Na definição de HARRISON LEITE: “A atividade financeira do Estado é um instrumento para a realização do próprio fim estatal, pois lhe fornece os meios para a obtenção de recursos financeiros, a forma de geri-los e aplicá-los, munindo o Estado com os instrumentos necessários à sua atuação na sociedade.” (Manual de Direito Financeiro. 9. ed. Salvador: JusPodivm, 2020, p. 41-43)
[17] Ver: Carga tributária bruta do Governo Geral atingiu 32,32% do PIB em 2024, mostra boletim do Tesouro – Disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/assuntos/noticias/2025/marco/carga-tributaria-bruta-do-governo-geral-atingiu-32-32-do-pib-em-2024-mostra-boletim-do-tesouro#:~:text=TRIBUTA%C3%87%C3%83O-,Carga%20tribut%C3%A1ria%20bruta%20do%20Governo%20Geral%20atingiu%2032%2C32%25%20do,2024%2C%20mostra%20boletim%20do%20Tesouro&text=Em%202024%2C%20a%20carga%20tribut%C3%A1ria,PIB%20em%20rela%C3%A7%C3%A3o%20a%202023. – Acesso em 24/04/2025. Ver também: Carga tributária bruta do governo sobe para 32,32% do PIB, maior patamar da série histórica – Disponível em: https://www.terra.com.br/economia/carga-tributaria-bruta-do-governo-sobe-para-3232-do-pib-maior-patamar-da-serie-historica,618cfed8da0e62bf0e9e530bcfd24ce16v2pdbg0.html.
[18] Não se pode olvidar de que ele foi um movimento de elite, pois a grande parte da população local sequer ficou sabendo das conjurações que estavam sendo feitas e provavelmente seria utilizada como massa de manobra (pretendia-se utilizar o descontentamento popular no momento da próxima derrama para a eclosão de uma revolta). Esse dado histórico revela uma contradição própria dos movimentos coloniais: embora inspirados em ideais de liberdade e autonomia, não necessariamente partiam de uma concepção popular de justiça social ou de igualdade fiscal. Os inconfidentes, muitos deles endividados com a Coroa, viam na independência também uma forma de romper com obrigações econômicas pessoais. Ainda assim, seus ideais acabaram abrindo caminho para uma consciência crítica da opressão tributária, que, com o tempo, se transformaria em bandeiras estruturantes do Estado brasileiro moderno — como a legalidade, a capacidade contributiva e a vedação ao confisco. Hoje, em um sistema democrático e constitucionalmente estruturado, não se cogita mais um levante armado contra a tributação. No entanto, o debate sobre a justiça fiscal continua necessário e atual, especialmente diante de um sistema regressivo, complexo e de baixa transparência. Compreender que até os primeiros movimentos pela liberdade nasceram sob o peso do tributo é reconhecer que a luta contra os abusos fiscais é, antes de tudo, uma luta por cidadania.
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