Ao comprar um apartamento na planta, o contrato traz um prazo para a construção e entrega da unidade imobiliária. Geralmente esse tipo de contrato também tem cláusula que permite atraso por determinado período de tempo (“cláusula de tolerância”).

Embora haja discussões acerca da legalidade deste tipo de cláusula, a permitir que a vendedora atrase na obra sem consequências[1], extrapolado o prazo para a entrega e o período de atraso permitido contratualmente, o (promitente) comprador pode ajuizar ação indenizatória ou ação para resolução contratual.

Neste sentido: “Nas hipóteses de não cumprimento do avençado por uma das partes, assegura a lei àquele que se sentir lesado requerer a resolução do contrato, se não preferir-lhe o cumprimento, podendo, ainda, pleitear perdas e danos (art. 475 do CC).” (TJ-MG – AC: 10024143328623002 MG, Relator: Valéria Rodrigues Queiroz, Data de Julgamento: 17/03/2020, Data de Publicação: 19/06/2020)

Em qualquer hipótese, deve-se aplicar o Código de Defesa do Consumidor, pois as partes se configuram como consumidor e fornecedor. Ademais, importante salientar que apesar de ter fundamento no Código Civil, o direito pleiteado nesses casos também tem fulcro no art. 6º, VI do CDC, que determina ser direito básico do consumidor “a efetiva prevenção e reparação de danos patrimoniais e morais, individuais, coletivos e difusos.”

Não obstante, deve-se ter em conta que o contrato deve estabelecer de forma clara o prazo certo para início e fim da obra. O contrato que não apresenta data para início das obras possui falha em sua redação e tal lacuna deve ser interpretada de modo favorável ao consumidor.

“(…) CONTRATO COM FALHA NA REDAÇÃO, NÃO APONTANDO DATA PARA INÍCIO DAS OBRAS. INTERPRETAÇÃO EM FAVOR DO CONSUMIDOR. (…) Em que pesem os argumentos da recorrente, a própria confessou extrajudicialmente o atraso da obra, mediante o envio de informativo aos adquirentes do empreendimento imobiliário (mov. 1.14), apresentando nova data para entrega do imóvel. Salienta-se que tal data, novamente, fora descumprida, com o atraso postergado da entrega das chaves do imóvel e emissão do habite-se (movs. 17.2 e 17.3). É imprescindível destacar que há uma falha na redação do contrato de compra e venda firmado entre a incorporadora, o comprador e o agente financeiro da CEF, de modo que não está escrita a data para o início das obras (movs. 1.6 – 1.8). Assim, como já aduzido pelo MM. Juízo, tal dubiedade deve ser interpretada em favor do autor, ora consumidor. Em que pesem os argumentos da recorrente, é patente o descumprimento contratual e o atraso na entrega do imóvel. (…).” (TJ-PR – RI: 00377093620138160182 PR 0037709-36.2013.8.16.0182 (Acórdão), Relator: Juiz Daniel Tempski Ferreira da Costa, Data de Julgamento: 18/09/2017, 1ª Turma Recursal, Data de Publicação: 19/09/2017)

Logo o contrato deve trazer de modo evidente a data de início das obras, para que se possa contar a data de seu término – bem assim, a data do término, de forma explícita. Além disso, não pode vincular a data de início da obra a outro negócio jurídico ou obtenção de financiamento. Neste sentido, o Tema 996 do STJ:

Tema 996, STJ – “Na aquisição de unidades autônomas em construção, o contrato deverá estabelecer, de forma clara, expressa e inteligível, o prazo certo para a entrega do imóvel, o qual não poderá estar vinculado à concessão do financiamento, ou a nenhum outro negócio jurídico, exceto o acréscimo do prazo de tolerância”. (REsp 1729593/SP, rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Segunda Seção, j. em 25-9-2019, DJe 27-9-2019).

Na ação indenizatória, não se pleiteia a resolução do contrato. O adquirente busca o cumprimento da obrigação pela construtora (art. 475 do Código Civil), mas requerendo perdas e danos (dano material na forma de lucros cessantes, consistentes em aluguéis que o imóvel poderia render no período do atraso).

Nesta ação poderá ser pleiteado:

  1. Danos materiais (na modalidade de danos emergentes, representados pelos valores gastos após a data final para a entrega, em virtude do atraso da obra, por exemplo, aluguéis pagos, na ocasião em que o adquirente compra o imóvel para morar nele, saindo do aluguel);
  2. Danos morais (caso comprovado); e
  3. Danos materiais na modalidade de lucros cessantes (Súmula 162 do TJSP e entendimento do STJ, por exemplo, no EREsp 1.341.138-SP, no REsp 644.984/RJ e no AgRg no REsp 826.745/RJ).

Alternativamente, pode-se ajuizar ação para a resolução do contrato em virtude do inadimplemento da (promitente) vendedora.

Segundo Scavone Jr, “assim como ao promitente vendedor é possível a resolução do contrato por inadimplemento do promitente comprador, este último pode aforar ação de resolução contratual no caso de atraso nas obras, que constitui inegável descumprimento do contrato pela construtora que prometeu o imóvel e a data de entrega”.[2]

Deve ser pleiteado na ação de resolução do contrato o seguinte:

  1. Decretação da resolução contratual, sem qualquer ônus para o (promitente) comprador, haja vista que o pleito de resolução contratual está sendo motivado pelo inadimplemento do (promitente) vendedor;
  2. Danos materiais na modalidade de lucros cessantes, cabíveis na hipótese de rescisão contratual por culpa da (promitente vendedora), no período da mora;
  3. Danos materiais (dano emergente, consistente nos valores gastos após a data final para entrega, em virtude do atraso da obra, por exemplo, aluguéis);
  4. Danos materiais (também como danos emergentes) representados pela restituição integral do que foi pago com juros desde a citação e correção a partir de cada desembolso;
  5. Danos morais (caso comprovado).

Quanto aos danos emergentes (dano material) representados pelos valores já pagos pelo consumidor, na compra do imóvel na planta, incluem as parcelas já pagas pelo imóvel comprado e a taxa de corretagem[3]. Frisa-se que alguns julgados são contrários à devolução desta taxa[4], mas tal questão depende da análise do caso concreto. Em caso de culpa (exclusiva) da vendedora/construtora, devem tais valores serem devolvidos integralmente ao comprador/consumidor. Neste sentido, a Súmula 543 do STJ:

Súmula 543, STJ – “Na hipótese de resolução de contrato de promessa de compra e venda de imóvel submetido ao Código de Defesa do Consumidor, deve ocorrer a imediata restituição das parcelas pagas pelo promitente comprador – integralmente, em caso de culpa exclusiva do promitente vendedor/construtor, ou parcialmente, caso tenha sido o comprador quem deu causa ao desfazimento.”

As parcelas contratuais pagas devem ser restituídas com juros moratórios (1% ao mês) desde a citação.

Sobre tal montante também deve incidir correção monetária, bem como multa (caso prevista contratualmente).

Porém, caso não haja disposição de multa no instrumento contratual para a parte vendedora, como geralmente tratam-se de contratos de adesão, deve-se seguir o entendimento do STJ por ocasião do julgamento do REsp nº 1614721/DF, submetido ao rito dos recursos repetitivos, que consolidou a tese de pacificação jurisprudencial (Tema 971) no seguinte teor: “No contrato de adesão firmado entre o comprador e a construtora/incorporadora, havendo previsão de cláusula penal apenas para o inadimplemento do adquirente, deverá ela ser considerada para a fixação da indenização pelo inadimplemento do vendedor. As obrigações heterogêneas (obrigações de fazer e de dar) serão convertidas em dinheiro, por arbitramento judicial.”

Os lucros cessantes são pleiteados na ação judicial em razão da não fruição do imóvel durante o tempo de mora da (promitente) vendedora, mesmo que o bem não tivesse destinação negocial (direcionado à locação, revenda ou outro propósito lucrativo), com base na Súmula nº 162 do Tribunal de Justiça de São Paulo[5]. No mesmo sentido, o STJ decidiu no EREsp 1.341.138-SP de Relatoria da Min. Maria Isabel Gallotti, julgado em 09/05/2018, que “o atraso na entrega do imóvel enseja pagamento de indenização por lucros cessantes durante o período de mora do promitente vendedor, sendo presumido o prejuízo do promitente comprador”. Em outras palavras, mesmo que o comprador não tenha adquirido o imóvel para alugá-lo a terceiros, a jurisprudência presume que a finalidade seria esta, devendo a vendedora pagar ao adquirente os valores que teriam natureza locatícia caso o comprador estivesse alugando o imóvel, durante todo o período de mora na entrega do bem.

Tal questão foi fixada em sede de Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas (IRDR) pelo STJ (REsp 1.729.593): “No caso de descumprimento do prazo para a entrega do imóvel incluído o período de tolerância, o prejuízo do comprador é presumido, consistente na injusta privação do uso do bem, a ensejar o pagamento de indenização na forma de aluguel mensal, com base no valor locatício de imóvel assemelhado, com termo final na data da disponibilização da posse direta ao adquirente da unidade imobiliária.”

O dano moral, como, para o caso de atraso de entrega de imóvel, não é in re ipsa, dependerá de comprovação de sua ocorrência, se configurando apenas em situações excepcionais. Em outras palavras, “o mero descumprimento contratual, caso em que a promitente vendedora deixa de entregar o imóvel no prazo contratual injustificadamente, não acarreta, por si só, danos morais” (entendimento do STJ em diversos julgados[6]).

Na AC 10024143328623002 MG (TJ-MG, Relator: Valéria Rodrigues Queiroz, Data de Julgamento: 17/03/2020, Data de Publicação: 19/06/2020), entendeu-se que, no caso específico, “a angústia e a frustração experimentadas pelos autores não se limitam a meros contratempos cotidiano”, posto que a data de entrega do bem extrapolou de forma exagerada (prevista a entrega para 2013, em 2017 entraram com a ação porque a vendedora informou nova data para conclusão das obras em 2018). Levando-se em consideração as peculiaridades do caso concreto, foi arbitrado o valor de R$ 8.000,00 para cada autor, a título de indenização extrapatrimonial.

Outrossim, em casos de mora na entrega da obra (ocorrendo atraso até mesmo para início das obras), é cabível a “exceptio non adimpleti contractus”, segundo a qual o comprador não pode ser forçado a cumprir sua obrigação de pagamento das parcelas enquanto o vendedor também não cumpre com sua obrigação de realizar a obra – e nas condições contratadas. Neste sentido:

“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO ORDINÁRIA – COMPRA E VENDA DE IMÓVEL – BEM ADQUIRIDO NA PLANTA – ATRASO NO INÍCIO DA OBRA – ENTREGA APÓS O PRAZO PREVISTO – INADIMPLEMENTO – SUSPENSÃO DO PAGAMENTO DAS PARCELAS – EXCEÇÃO DE CONTRATO NÃO CUMPRIDO – RESCISÃO CONTRATUAL – PRESTAÇÕES E TAXA DE CORRETAGEM – DEVOLUÇÃO DEVIDA – RECURSO NÃO PROVIDO. – Nas hipóteses em que as prestações mensais foram quitadas por mais de um ano e neste período a obra sequer se iniciou, é clara a mora da construtora e o consequente impacto no prazo final da entrega do empreendimento. Portanto, não se pode exigir do adquirente a continuidade dos pagamentos, ante a evidência de que não será atendida a obrigação contratada – Se a culpa pela rescisão ocorreu por parte da construtora, os valores adimplidos, incluindo a taxa de corretagem, deverão ser restituídos ao comprador, consoante entendimento sedimentado na súmula 543 do STJ.” (TJ-MG – AC: 10000180686107001 MG, Relator: Amorim Siqueira, Data de Julgamento: 02/04/2019, Data de Publicação: 12/04/2019)

“AGRAVO DE INSTRUMENTO – AÇÃO ORDINÁRIA – AQUISIÇÃO DE APARTAMENTO NA PLANTA – ATRASO PARA O INÍCIO DA OBRA E SUSPENSÃO DAS VENDAS – SUSPENSÃO DA OBRIGAÇÃO DE PAGAR PELOS PROMISSÁRIOS COMPRADORES – TUTELA ANTECIPADA – DEFERIMENTO PARCIAL PARA PERMITIR O DEPÓSITO JUDICIAL DAS PARCELAS VINCENDAS – DECISÃO REFORMADA – RECURSO PROVIDO. – Para a concessão da antecipação dos efeitos da tutela, mister se faz que estejam demonstrados os pressupostos elencados no art. 273, do CPC, quais sejam: verossimilhança das alegações da autora, fundada em prova inequívoca, aliada ao receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou à caracterização de abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu. – Os promissários compradores têm direito à suspensão da obrigação assumida no contrato preliminar de compra e venda de imóvel, quando está atrasado o início da obra do bem adquirido e eles não têm interesse de dar continuidade ao contrato.” (TJ-MG – AI: 10024123096216001 MG, Relator: Evandro Lopes da Costa Teixeira, Data de Julgamento: 28/02/2013, Câmaras Cíveis Isoladas / 17ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 12/03/2013)

Importante observar que, conforme fixado pelo STJ em sede de IRDR (REsp 1.729.593), no caso de atraso da entrega do imóvel, as parcelas da compra do bem não podem ser mais corrigidas monetariamente pelo INCC, mas sim pelo IPCA, exceto se este for pior ao consumidor: “O descumprimento do prazo de entrega do imóvel computado o período de tolerância faz cessar a incidência de correção monetária sobre o saldo devedor com base em indexador setorial, que reflete o custo da construção civil, o qual deverá ser substituído pelo IPCA, salvo quando este último for mais gravoso ao consumidor.”


Notas:

[1] Scavone Jr entende que, “à luz do princípio geral da boa-fé e, principalmente, do art. 51, IV, do Código de Defesa do Consumidor”, esta “cláusula de carência ou tolerância coloca o consumidor em desvantagem exagerada”, sendo, portanto, “cláusula nula”. Mesmo assim, o Ministério Público do Estado de São Paulo firmou Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o sindicato das construtoras no qual uma das exigências é que o prazo de tolerância não pode ultrapassar 180 dias. O TAC também firmou a obrigação de a construtora pagar multa de 2% do valor principal pago – excluídos multas e juros – e, sobre a mesma base de cálculo, acréscimo de 0,5% ao mês de atraso além do período de carência. O TAC não foi homologado pelo Conselho Superior do Ministério Público de São Paulo em 19/06/2012. Apesar disso, o TJSP em reiterados julgados admite a legalidade da cláusula de carência ou tolerância. (SCAVONE JUNIOR, Luiz Antonio. Direito imobiliário – Teoria e prática. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 400-402)

[2] Idem, Ibidem.

[3] “(…) Se a culpa pela rescisão ocorreu por parte da construtora, os valores adimplidos, incluindo a taxa de corretagem, deverão ser restituídos ao comprador, consoante entendimento sedimentado na súmula 543 do STJ.” (TJ-MG – AC: 10000180686107001 MG, Relator: Amorim Siqueira, Data de Julgamento: 02/04/2019, Data de Publicação: 12/04/2019)

[4] “CONSUMIDOR – COMPRA DE IMÓVEL NA PLANTA – RESCISÃO POR ALEGADA CULPA DA CONSTRUTORA EM RAZÃO DE ATRASO NO INÍCIO DAS OBRAS – DEVOLUÇÃO DE VALORES QUE NÃO INCLUÍRAM A TAXA DE CORRETAGEM – ALEGAÇÃO DE QUE A DEVOLUÇÃO DEVE SER INTEGRAL – CONTRATOS DIVERSOS E AUTÔNOMOSSERVIÇOS DE CORRETAGEM QUE EFETIVAMENTE FORAM PRESTADOS E QUE NÃO SE CONFUNDEM COM A COMPRA E VENDA EM SI – OUTROSSIM, INEXISTÊNCIA DE INADIMPLEMENTO E, PORTANTO, MENOS AINDA DE CULPA POR PARTE DA RECORRIDA, EIS QUE CIENTES OS RECORRENTES DE QUE O PRAZO SE INICIARIA COM A CONTRATAÇÃO DO FINANCIAMENTO JUNTO À CAIXA ECONÔMICA FEDERAL, AINDA EM ANDAMENTO – MANUTENÇÃO DA R. SENTENÇA – ADOÇÃO DOS MESMOS ARGUMENTOS – POSSIBILIDADE – INTELIGÊNCIA DO ARTIGO 46, DA LEI Nº 9.099/95 – SENTENÇA CONFIRMADA POR SUAS PRÓPRIAS RAZÕES – RECURSO IMPROVIDO.” (TJ-SP – RI: 00087801620158260191 SP 0008780-16.2015.8.26.0191, Relator: Alexandre Muñoz, Data de Julgamento: 01/02/2021, 3ª Turma Recursal Cível e Criminal, Data de Publicação: 01/02/2021)

[5] “Descumprido o prazo para a entrega do imóvel objeto do compromisso de venda e compra, é cabível a condenação da vendedora por lucros cessantes, havendo a presunção de prejuízo do adquirente, independentemente da finalidade do negócio.” Disponível em: <https://www.tjsp.jus.br/Download/SecaoDireitoPrivado/Sumulas.pdf&gt;. Acesso em 02/10/2018.

[6] A saber: STJ, AgInt no REsp 1684398/SP, Rel. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, 3ª Turma, julgado em 20/03/2018, DJe 02/04/2018; STJ, REsp 1.642.314/SE, Rel. Min. Nancy Andrighi, 3ª Turma, julgado em 16/03/2017, DJe 22/03/2017; AgInt no AREsp 1076228/SE, Rel. Ministro Antonio Carlos Ferreira, 4ª Turma, julgado em 12/12/2017, DJe 15/12/2017; dentre outros.


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