Como se sabe, é muito comum no mercado imobiliário que as pessoas celebrem contratos onde é negociada somente a posse de um imóvel e não a propriedade. É o que ocorre, por exemplo, quando um imóvel é vendido somente por contrato particular (sem escritura pública)[1]. Isso ocorre, pois a posse possui valor monetário e jurídico, e também porque o senso comum não distingue posse de propriedade (assim, a maioria crê que a cessão de posse é documento suficiente para garantir o domínio de um imóvel).

Deste modo, numa ação de execução (arts. 771 e seguintes do CPC/15) ou em cumprimento de sentença (arts. 513 e seguintes do CPC/15), é possível haver a penhora sobre a posse de um imóvel do devedor executado – tendo em vista este conteúdo econômico dos direitos possessórios, que fazem com que a posse integre o patrimônio do devedor.

Neste sentido, leciona o Procurador Federal Cássio Marcelo Arruda Ericeira[2]:

Os direitos possessórios do devedor sobre o imóvel integram seu patrimônio jurídico, tem expresso e manifesto conteúdo econômico, natureza pecuniária e valorização monetária, sendo objeto de negócios jurídicos, de sorte que é lícito afirmar que a penhora deve recair sobre tais direitos.

O mesmo jurista menciona o inciso XIII do artigo 835 do Código de Processo Civil[3] como fundamento legal a permitir a penhora da posse, por possibilitar a “penhora sobre outros direitos”:

Art. 835.  A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem:
(….)
XIII – outros direitos.

Sendo assim, como os direitos do titular da posse imobiliária têm repercussão econômica, então a constrição patrimonial pode incidir sobre tais direitos, à luz dos expressos termos do art. 835, inc. XIII, CPC/15.

É importante ressaltar que neste caso, a penhora recairá sobre os direitos possessórios do devedor e não sobre o imóvel em si. É o caso, por exemplo, de executados que são promitentes compradores de bem imóvel, herdeiros cujo inventário ainda não se finalizou, dentre outros.

Há julgados do Superior Tribunal de Justiça (STJ) neste sentido:

RECURSO ESPECIAL. EMBARGOS À EXECUÇÃO. EXECUÇÃO DE TAXAS DE CONDOMÍNIO. PENHORA SOBRE IMÓVEL SITUADO EM CONDOMÍNIO IRREGULAR. POSSIBILIDADE. DIVERGÊNCIA JURISPRUDENCIAL. SÚMULA 13/STJ. AUSÊNCIA DE COTEJO ANALÍTICO. 1. Tratando-se de imóvel situado em condomínio irregular, a penhora não recairá sobre a propriedade do imóvel, mas sobre os direitos possessórios que o devedor tenha. 2. O artigo 655, XI, do Código de Processo Civil prevê a penhora de direitos, o que autoriza a constrição do direito possessório, em especial nas situações em que o direito possui expressão econômica e integra o patrimônio do devedor. 3. A admissibilidade de recurso especial fundado na alínea “c” do permissivo constitucional pressupõe que tribunais distintos tenham interpretado um mesmo tema de maneira divergente. Súmula nº 13/STJ. 4. A mera transcrição do inteiro teor dos julgados tidos como divergentes é insuficiente para a comprovação de dissídio pretoriano viabilizador do recurso especial. 5. Recurso especial não conhecido. (Recurso Especial nº 901906/DF (2006/0248339-2), 4ª Turma do STJ, Rel. João Otávio de Noronha. j. 04.02.2010, unânime, DJe 11.02.2010)

 

Também outros Tribunais já se manifestaram permitindo tal situação:

AGRAVO DE INSTRUMENTO – EXECUÇÃO FISCAL – PEDIDO DE INDISPONIBILIDADE DOS BENS INDICADOS – AFASTADO – TRANSFERÊNCIA DO IMÓVEL – REGISTRO DO TÍTULO AQUISITIVO – ARTIGO 1245 DO CC – PENHORA SOBRE DIREITOS – POSSIBILIDADE – ARTIGO 655 DO CPC. A propriedade do imóvel somente é transferida pelo registro do título aquisitivo, a teor do que dispõe o artigo 1.245 do Código Civil Brasileiro. O artigo 655 do Código de Processo Civil estabelece que é factível a penhora sobre “outros direitos” (inciso XI). É inconteste que a executada preserva direitos em decorrência da aquisição dos imóveis mencionados, guardando eles (direitos), como bem assentado pela agravante, manifesto conteúdo econômico. Prospera o pleito de constrição judicial sobre os direitos derivados dos contratos de venda em compra outrora firmados pela agravada. Precedente do STJ: RESP 860763, Min. Humberto Gomes de Barros, DJE 01.04.2008. Agravo de instrumento parcialmente provido para determinar a penhora sobre os direitos decorrentes da aquisição dos imóveis referidos nos autos. (AI 00335891220104030000, Desembargadora Federal Marli Ferreira, TRF3 – Quarta Turma, e-DJF3 Judicial 1 Data: 05/04/2011 Página: 591)

 

Assevera-se que, neste caso, dependendo da ocasião, não poderá haver registro da penhora na matrícula do imóvel, já que seu último registro é o da propriedade de outrem, não havendo como averbar a penhora sem ferir o princípio da continuidade, que rege o Direito Imobiliário. Porém, salienta-se que a penhora de imóvel se realiza mediante lavratura do auto ou termo. O registro no cartório de imóveis apenas confere a publicidade do ato de constrição judicial, que gera presunção absoluta de conhecimento de terceiros do ato processual. Não constitui requisito de validade nem de eficácia da penhora seu registro, conforme inteligência do art. 844 do CPC/15[4].

Penhorada a posse, esta deve se prestar a a converter em valores para pagar a dívida executada.

Haja vista seu conteúdo econômico, em princípio, os direitos possessórios penhorados de um imóvel podem até mesmo ser alienados, nos termos do art. 879 do CPC/15 (leilão judicial ou iniciativa particular) ou, antes desta alternativa, sofrerem adjudicação, por força do art. 876 do CPC/15. Pode-se pensar até mesmo na locação do bem para que desta posse advenham frutos a suprirem o crédito executado (art. 834 do CPC/15).

Por fim, ressalta-se que a ordem de preferência de penhora do art. 835 do CPC/15 apenas tem relevância em caso de pluralidade de bens passíveis de serem penhoráveis. Neste sentido, o doutrinador Daniel Amorim Assumpção Neves[5]:

O art. 835 do Novo CPC regulamenta a ordem de preferência da penhora de forma que, havendo diferentes bens no patrimônio do executado e não sendo necessária a penhora de todos eles, alguns prefiram a outros, conforme a ordem estabelecida pelo legislador. É evidente que a ordem de penhora é tema que só tem relevância diante da pluralidade de bens passíveis de serem penhorados, porque, sendo necessária a penhora de todo o patrimônio penhorável do executado ou só havendo um bem em seu patrimônio, a questão da ordem de penhora torna-se irrelevante. A utilização do termo “preferencialmente” no art. 835, caput, do Novo CPC é suficiente para demonstrar que a ordem legal não é peremptória, podendo ser modificada pelo juiz no caso concreto, a exemplo do que ocorre com a ordem estabelecida pelo art. 11 da LEF (Lei 6.830/1980).

Ademais, a ordem de preferência de penhora pode não ser atendida quando há vantagem ao executado e quando não há prejuízo ao exequente, conforme explicita Elpídio Donizetti[6]:

Faculta-se ao exequente indicar, na petição da execução, os bens passíveis de penhora (art. 798, II, c). A indicação deve observar a ordem prevista nesse artigo, que, apesar de não ter caráter absoluto, só não deve ser seguida quando comprovada “não somente a manifesta vantagem para o executado, mas também a ausência de prejuízo para o exequente” (STJ, REsp 1.168.543, Rel. Min. Sidney Beneti, julgado em 05.03.2013).

 

 

 

 

 

 


Notas:

[1] O Código Civil dispõe no art. 108 que “não dispondo a lei em contrário, a escritura pública é essencial à validade dos negócios jurídicos que visem à constituição, transferência, modificação ou renúncia de direitos reais sobre imóveis de valor superior a trinta vezes o maior salário mínimo vigente no País”. Geralmente, bens imóveis possuem valor superior a 30 salários mínimos nacionais. Neste caso, portanto, devem ter sua propriedade transferida por escritura pública. O art. 1.225 do Código Civil dispõe no inc. I que a propriedade é um direito real e, o art. 1.227 determina que “os direitos reais sobre imóveis constituídos, ou transmitidos por atos entre vivos, só se adquirem com o registro no Cartório de Registro de Imóveis dos referidos títulos (arts. 1.245 a 1.247), salvo os casos expressos neste Código”. Logo, para a transferência da propriedade imobiliária, deve haver escritura pública lavrada em Cartório de Notas e, após, seu registro na matrícula do imóvel no Cartório de Registro de Imóveis. No caso de compra de imóvel por contrato particular, sem o competente registro em matrícula, transfere-se somente a posse. Na compra da posse, portanto, independentemente do nome que seja dado ao contrato, ocorre somente cessão de posse. Em outras palavras, mesmo que o contrato esteja nomeado como “contrato de compra e venda”, se foi particular (ou até lavrado em Cartório de Títulos e Documentos) e não houve registro na matrícula do imóvel (no Cartório de Registro de Imóveis), então ocorreu na verdade a celebração de um contrato de cessão de posse. Este foi o caso dos autos: As partes celebraram contrato particular que não foi registrado em matrícula, não transferindo a propriedade do imóvel. Porém, a posse foi dada ao comprador logo na assinatura do instrumento contratual. Apesar disso, infelizmente, o comprador nunca pagou pela compra (haja vista que sustou o cheque que deu para pagamento da alienação, conforme pode ser observado nestes próprios autos), estando em posse ilegítima do imóvel.

[2] Disponível em: <http://conteudojuridico.com.br/index.php?artigos&ver=2.48843&gt;. Acesso em 05/10/2018.

[3] No Antigo CPC (de 1973), o artigo correspondente ao art. 835, inc. XIII era o art. 655, inc. XI.

[4] No antigo CPC/73, o dispositivo correspondente era o art. 659, § 4º.

[5] Manual de direito processual civil – Volume único. 9. ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017, p. 1252.

[6] Novo Código de Processo Civil comentado. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2017, p. 1044.


Descubra mais sobre Renata Valera

Assine para receber nossas notícias mais recentes por e-mail.